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FEIRA DO CORDEL

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CAIXA CULTURAL FORTALEZA RECEBE A QUARTA EDIÇÃO DA FEIRA DO CORDEL BRASILEIRO



Texto: Divulgação.

Evento reúne expoentes da autêntica Cultura Popular Brasileira e grandes personalidades da Literatura do Cordel


De 17 a 20 de outubro de 2019 a CAIXA Cultural Fortaleza recebe a IV Feira do Cordel Brasileiro, uma realização da AESTROFE – Associação de Escritores, Trovadores e Folheteiros do Estado do Ceará. A feira traz lançamentos literários, exposição de obras raras, vendas de folhetos de cordel, livros, camisetas e CDs referenciais, além de shows, recitais, palestras, oficinas de xilogravura e de cordel.

Nesta edição, a IV Feira do Cordel Brasileiro é apadrinhada pelos mestres da cultura Chico Pedrosa e Bule-Bule, e presta homenagens a grandes nomes da cultura nordestina: Jackson do Pandeiro (centenário), João Melchíades Ferreira (sesquicentenário), Alberto Porfírio (in memoriam) e o comunicador Carneiro Portela.

O multiartista pernambucano Antônio Nóbrega, um dos expoentes do gênero literário e referências da cultura popular, ministra uma palestra ilustrada intitulada ‘Da quadrinha ao galope a beira mar’, no dia 18/10, às 14h. Entre as atrações do evento, estão ainda a xilogravadora Lucélia Borges, o ator e cordelista Edmilson Santini, a dupla de emboladores Marreco e Pinto Branco, o Trio Arupemba e CIA, os Tecelões Teatro com Bonecos, os cantadores Guilherme Nobre e Geraldo Amâncio Pereira, o humorista-cordelista Tranquilino Ripuxado, a xilogravurista Lucélia Borges e a repentista Fabiane Ribeiro. Para apresentar pesquisas temáticas, participam Gilmar de Carvalho, Alberto Perdigão, Vládia Lima, Ana Claudia Veras, Stélio Torquato, entre outros.  

Também marca presença o renomado ilustrador pernambucano Jô Oliveira, que assina o cartaz da feira. Mestre dos Quadrinhos pelo HQ-MIX (2004), Jô publicou diversas histórias em quadrinhos, tendo várias ilustrações e selos premiados, no Brasil e no exterior. A programação completa está disponível em https://www.facebook.com/FeiradoCordelBrasileiro
Serviço:

[Vivências] IV FEIRA DO CORDEL BRASILEIRO
Local: CAIXA Cultural Fortaleza
Endereço: Av. Pessoa Anta, 287, Praia de Iracema
Data: De 17 a 20 de outubro de 2019
Horário: Quinta a sábado: 14 às 21h | Domingo: 14 às 19h
Entrada Franca
Classificação indicativa: livre para todos os públicos
Acesso para pessoas com deficiência
Paraciclo disponível no pátio interno
Informações gerais| Bilheteria da CAIXA Cultural Fortaleza: (85) 3453-2770
Patrocínio: CAIXA e Governo Federal

Atendimento à imprensa:
Isabelle Vieira - (85) 98871.4139 / vieira.aisabelle@gmail.com 
Assessoria de Imprensa da CAIXA Cultural Fortaleza (CE):
www.caixa.gov.br/imprensa | @imprensaCAIXA
Baixe o aplicativo “Caixa Cultural”



PROGRAMAÇÃO DA
IV FEIRA DO CORDEL BRASILEIRO
De 17 a 20 de outubro de 2019
na CAIXA Cultural Fortaleza
Mestre Bule-Bule da Bahia

DIA 17 (Quinta-feira)
Teatro: Jackson do Pandeiro
14h – ABERTURA com a participação dos mestres do cordel e da cantoria | Declamação com Klévisson Viana (CE) e Aldanísio Paiva (CE), apresentação com Mestre Bule-Bule (BA), Jefferson Portela (RJ) e Zé Rodrigues (CE), César Barreto (CE) e do Grupo Cordel de Raiz, da EMEF Ernesto Gurgel Valente (Aquiraz/CE)
15h10 – Mesa "O CORDEL COMO OBJETO DE PESQUISA"
Com Gilmar de Carvalho (CE) ‘’Cordel Cearense’’, Vládia Lima (CE) ‘’Alberto Porfírio’’, Ana Claudia Veras (CE) ‘’Caldeirão’’ e Alberto Perdigão (CE) ‘’Jornalismo em Cordel’’
Mediação do professor e cordelista Stélio Torquato Lima (CE)

Lucélia Borges

Sala de Ensaio: José Pacheco
15h – Oficina de xilogravura com o mestre João Pedro de Juazeiro (CE) e Lucélia Borges (BA)

Sala Multiuso: Palco Alberto Porfírio
16h40 – Recital “AS MULHERES NO CORDEL” com Julie Oliveira (CE), Bia Lopes (CE) e Ivonete Morais (CE)
17h30 – Recital com Dideus Sales (CE)
18h – Repente ao som da viola com Fabiane Ribeiro (MA) e Guilherme Nobre (CE)                                                                    
19h – Show “CANTIGAS DO SERTÃO” com José Rodrigues (PE) e o Trio Cabeça de Fósforo (CE), participação especial do mestre Bule-Bule (BA.                                                                         
20h – Show “DE CANTIGAS E ROMANCES” com Eugênio Leandro (CE), participação especial de David Simplício (CE)

Antônio Nóbrega

DIA 18 (Sexta-feira)
Teatro: Jackson do Pandeiro
14h20 – Aula-ilustrada “DA QUADRINHA AO GALOPE A BEIRA MAR” com Antônio Nóbrega (PE)

Sala Multiuso: Palco Alberto Porfírio
16h – Espetáculo “CHICO MAMULENGO CONTRA A COBRA CANINANA” com a Cia Tecelões Teatro com Bonecos (CE)
17h – Recital com Rafael Brito (CE), Evaristo Geraldo (CE), Ian Fermon (CE) e Esperantivo (PE)

Edmillson Santini

18h – Espetáculo “JACKSON, SOM DO PANDEIRO E A CHEGADA DE ARIANO SUASSUNA NO CÉU” com Edmilson Santini (RJ)
19h – Recital com Chico Pedrosa (PB), Arievaldo Viana (CE) Lucarocas (CE) e Aldanísio Paiva (CE)
20h – Cantoria de embolada com Marreco (CE) e Pinto Branco (CE)


 
Jô Oliveira

DIA 19 (Sábado)
Teatro: Jackson do Pandeiro
14h – Palestra ‘’A DIVERSIDADE NA ILUSTRAÇÃO DE FOLHETOS DE CORDEL” com o mestre Jô Oliveira (DF), Lucélia Borges (BA), Eduardo Azevedo (CE) e Cayman Moreira (CE)
Mediação: Arievaldo Vianna (CE)



Sala de Ensaio: José Pacheco
14h – Oficina “APRENDA A FAZER CORDEL” com Rouxinol do Rinaré (CE)

Sala Multiuso: Palco Alberto Porfírio
16h – Recital ‘’ANUNS E CORDÉIS”  com Breno de Holanda (PE) e Lançamento do livro
17h – Trio Arupemba (CE)
18h – Repente com Geraldo Amâncio (CE) e Zé Vicente (CE)
19h – Recital ‘’O PATATIVA QUE EU CONHECI’’ com Daniel Gonçalves (CE)
20h – Show ‘’CANTIGAS PRA BEM VIVER’’ com Paola Torres (CE) e lançamento dos livros “O RIO E A NUVEM” e “VAMOS FALAR SOBRE O CÂNCER?”

DIA 20 (Domingo)
Teatro: Jackson do Pandeiro
14h – Mesa “PEIXEIRAS AO ALTO: O FANTÁSTICO ARMORIAL NORDESTINO” com Rodrigo Passolargo (CE), Vinícius Rodrigues (CE) e Eduardo Macedo (CE)
Mediação: Paulo de Tarso (CE)

Café: Luiz Gonzaga
15h – Lançamento do Cordel “SUPERAÇÃO NA EDUCAÇÃO” de Maria de Lourdes Fernandes (CE)

Sala Multiuso: Palco Alberto Porfírio
15h30 – Show ‘’PIMENTINHA DO FORRÓ’’ com Cecília do Acordeon (CE)
16h20 – Show de humor e cordel com Tranquilino Ripuxado (CE)
17h20 – Cutuca a Burra

Pátio Externo
18h – Intervenção Artística com Pifarada Urbana (CE)

IV FEIRA DO CORDEL BRASILEIRO

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Feira do Cordel Brasileiro traz atrações com programação gratuita
A quarta edição do evento acontece na Caixa Cultural Fortaleza entre os dias 17 e 20



Cordelistas cearenses, homenageados e convidados especiais, participam da IV Feira do Cordel Brasileiro | FOTO: FABIANE DE PAULA

Respirar entre a tradição e a modernidade: essa é a proposta da IV Feira do Cordel Brasileiro, que acontece de quinta-feira (17) a domingo (20), na Caixa Cultural Fortaleza. Este ano, o evento é apadrinhado pelos mestres da cultura Chico Pedrosa e Bule-Bule, e homenageia Jackson do Pandeiro (centenário), João Melchíades Ferreira (sesquicentenário), Alberto Porfírio (in memoriam) e o comunicador Carneiro Portela.

Cada homenageado ganhará o nome de um palco/espaço, a ser ocupado com lançamentos literários, exposição de obras raras, vendas de folhetos, livros, camisetas e CDs, além de shows, recitais, palestras, oficinas de xilogravura e de cordel.

"É uma grande celebração da cultura popular, mais especialmente da literatura de cordel, esse gênero literário que consegue dialogar com todas as outras artes: cinema, teatro, televisão, histórias em quadrinhos, ilustração. E assim chega a todas as pessoas", resume o cordelista Klévisson Viana, idealizador da Feira. Essa diversidade de linguagens e expressões é perceptível em cada perfil convidado para a festa, incluindo mestres do cordel e da cantoria, xilogravuristas, atores e pesquisadores.


O cordelista cearense Klévisson Viana é o idealizador da Feira do Cordel Brasileiro
FOTO: ÉRIKA FONSECA

ATRAÇÕES
Um dos destaques da programação é o multiartista Antônio Nóbrega, que ministrará na sexta-feira (18), às 14h30, a aula-ilustrada "Da quadrinha ao galope à beira-mar". Nela, o pernambucano relata o modo como foram se constituindo os vários gêneros e modalidades da poesia improvisada popular brasileira, especialmente a nordestina.


O multiartista Antônio Nóbrega (PE) ministrará aula na IV Feira do Cordel Brasileiro
FOTO: DIVULGAÇÃO
Klévisson conta que o contato com o artista se deu em agosto, durante a XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará. "Ele me ligou dizendo que estava montando uma Cordelteca no Brincantes, o instituto dele em São Paulo. Aí eu disse que, para ele atualizar o acervo o lugar certo era aqui na Feira do Cordel Brasileiro. A gente pega o homem é na palavra, é assim que a cultura popular se relaciona", diz.

O mestre da cultura cearense Geraldo Amâncio, por sua vez, fará uma apresentação de repente, no sábado (19), às 18h, ao lado do parceiro Zé Vicente. Dentro da perspectiva de inovar a tradição, ele, aos 73 anos, revela um diferencial que traz no próprio show. "Antes o cantador nem olhava para o rosto das pessoas. Eu já sou de uma época que os cantadores interagem. Se o povo canta em show, culto, missa, porque não cantar em cantoria?", provoca.


Os mestres Geraldo Amâncio (CE) e Bule-Bule (BA) integram a programação | FOTO: THIAGO GADELHA

Essa dinâmica, para Geraldo, acaba por atrair uma nova geração de cantadores, que inclusive estará presente na abertura da Feira. Às 18h da quinta (17), o público poderá comprovar isso no repente ao som da viola de Fabiane Ribeiro (MA) e Guilherme Nobre (CE), ambos com 18 anos. "É importante que a meninada veja que a cultura popular não é algo feito só pra idosos. É vigoroso, moderno, dinâmico, se atualiza, se adapta", pontua Klévisson Viana.

DISCUSSÕES
Ao longo dos dias, a Feira contará também com importantes reflexões, a exemplo da mesa "O cordel como objeto de pesquisa", com Gilmar de Carvalho; do recital "As mulheres no cordel", com Julie Oliveira (CE), Bia Lopes (CE) e Ivonete Morais (CE); e da palestra "A diversidade na ilustração de folhetos de cordel", com Jô Oliveira, entre outros convidados.

Vale destacar ainda na programação, a presença do neto de Patativa do Assaré, Daniel Gonçalves, com o recital "O Patativa que eu conheci", e o show "Cantigas para bem viver'', com a médica e cordelista Paola Torres, idealizadora da Cordelteca da Universidade de Fortaleza. Ambos acontecem no sábado, às 19h e 20h, respectivamente.

PRIMEIRO DIA

Quinta-feira (17) - Teatro: Jackson do Pandeiro

14h - Abertura:
Participação dos mestres do cordel e da cantoria. Declamação com Klévisson Viana (CE) e Aldanísio Paiva (CE); apresentação com Mestre Bule-Bule (BA), Jefferson Portela (RJ) e Zé Rodrigues (CE), César Barreto (CE) e do Grupo Cordel de Raiz, da EMEF Ernesto Gurgel Valente (Aquiraz/CE)

15h10 - Mesa "O cordel como objeto de pesquisa" Com Gilmar de Carvalho (CE); "Cordel Cearense", Vládia Lima (CE); "Alberto Porfírio", Ana Claudia Veras (CE); "Caldeirão" e Alberto Perdigão (CE)- "Jornalismo em Cordel" Mediação do professor e cordelista Stélio Torquato Lima (CE)

Sala de Ensaio: José Pacheco 15h
Oficina de xilogravura com o mestre Francorli (CE) e Lucélia Borges (BA) Café: Luiz Gonzaga

15h40 - Lançamento de folhetos da Cordelaria Flor da Serra (CE)

Sala Multiuso: Palco Alberto Porfírio 16h40
Recital "As mulheres no cordel" com Julie Oliveira (CE), Bia Lopes (CE) e Ivonete Morais (CE)

17h30 - Recital com Dideus Sales (CE)

18h - Repente ao som da viola com Fabiane Ribeiro (MA) e Guilherme Nobre (CE)

19h - Show "Cantigas do Sertão" com José Rodrigues (PE) e o Trio Cabeça de Fósforo (CE), participação especial do mestre Bule-Bule (BA)

19h40 - Recital "Não nego minha raiz" com o "Pequeno Poeta" Regenildo Paiva(CE)

20h - Show "De cantigas e romances" com Eugênio Leandro (CE), participação especial de David Simplício (CE)

SERVIÇO
IV Feira do Cordel Brasileiro

De 17 a 20 de outubro, na Caixa Cultural Fortaleza (Av. Pessoa Anta, 287, Praia de Iracema).
Todos os dias a partir das 14h.
Gratuito
Contato: (85) 3453-2770

REMINISCÊNCIAS

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BIBLIOTECA SERTANEJA


 O Mártir do Gólgota, O Escudo Admirável, A Bíblia das Escolas, Carlos Magno e os Doze Pares de França, Lunário Perpétuo e folhetos do Romanceiro Popular Nordestino



Lunário Perpétuo


Que tipo de leitura predominava nas fazendas e engenhos nordestinos do Século XIX e primeira metade do Século XX? Essa matéria despertou o interesse de alguns folcloristas renomados, dentre os quais os potiguares Oswaldo Lamartine de Faria e Pe. João Medeiros Filho, autores de um interessante opúsculo intitulado “Seridó – Sec. XIX (Fazendas e Livros)” onde apresentam uma lista de obras que constituíam a principal leitura dos nossos sertanejos de antanho. Essa lista divide-se em duas categorias: Livros de Prateleira e Livros de Oratório. Na primeira lista figuram o “Lunário e Prognóstico Perpétuo”, “História do Imperador Carlos Magno”, “Formulário e guia médico de Chernoviz”, “Orador Familiar”, “Medicina Caseira”, “Código de bom tom”, “Diccionario da Lingua Portuguesa”, “O advogado da roça” e “Estudo moral e político sobre Os Lusíadas”. Na segunda categoria encontram-se livros sacros, alguns dos quais eu tive o prazer de folhear, pois estavam guardados na gaveta do santuário de minha avó Alzira Viana de Sousa Lima, durante a minha infância no Ouro Preto. Eis a lista: “Bíblia Sagrada”, “Da Imitação de Christo”, “Adoremus”, e “Missão Abreviada”. Os autores esqueceram de enfeixar, pelo menos, duas obras que foram muito populares antigamente, em diversas partes do Nordeste Brasileiro, sobretudo no meio rural: “O Mártir do Gólgotha”, do romancista espanhol Enrique Pérez Scrich, e “O Escudo Admirável (Para os Males da Vida: Torre fortíssima para o instante da morte e patrocínio efficaz no Divino Tribunal)”, esse último um livro de orações contendo a hagiografia e novenário de diversos santos católicos.
Oswaldo Lamartine atesta ainda a existência dos folhetos de feira (a chamada Literatura de Cordel) e almanaques populares, que geralmente eram guardados no gavetão da mesa de jantar. Os livros religiosos ficavam na gaveta do oratório da família e os demais, considerados “livros de prateleira” em estantes ou dentro de malas e baús.
Um dos livros que mais desejei conhecer na infância foi a versão em prosa da “História de Carlos Magno e os Doze Pares de França”. Minha avó fazia referências constantes à saga do Imperador Cristão e até pôs o nome de Ferrabrás num cachorrinho de estimação que possuía. Quando saíamos a tarde, para as visitas que ela costumava fazer aos filhos que moravam na vizinhança, o irrequieto “Ferrabrás” nos acompanhava e a avó geralmente declamava a seguinte estrofe, extraída de “Batalha de Oliveiros com Ferrabrás”, de Leandro Gomes de Barros:

O Almirante Balão
Tinha um filho, o Ferrabrás
Que entre os turcos, era o mais
Que tinha disposição
Mesmo em nobreza e ação
Era o maior que havia
Então em toda Turquia
Onde se ouvia falar
Tudo tinha de respeitar
Ferrabrás de Alexandria.

(...)

Ou esta outra, extraída de “A prisão de Oliveiros e seus companheiros”, também de Leandro:

Ferrabrás era um gigante
De corpo descomunal,
Como nunca teve igual
No reino do Almirante,
Ele só era bastante
Para cinco mil guerreiros
Oito, dez mil cavaleiros
Morreram pelas mãos dele
E só tirou sangue n’ele
A espada de Oliveiros.

Eu olhava a figura minúscula do Ferrabrás canino, acuando preás e lagartixas na beira da estrada e achava um disparate que a avó o tivesse “batizado” com o nome de um guerreiro tão forte e destemido.


Vó Alzira


* * *

De acordo com o eminente folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo, “A História do Imperador Carlos Magno e os Doze Pares da França” foi o livro mais conhecido das populações rurais do Nordeste brasileiro. Onde havia criações de gado, engenhos e plantações de cana-de-açúcar esse livro, juntamente com a Bíblia Sagrada e o Lunário Perpétuo, eram leituras bastante apreciadas. Raríssima seria a casa sertaneja sem um exemplar dessa obra, nas velhas edições portuguesas. Segundo Cascudo “nenhum sertanejo ignorava as façanhas dos Pares ou a imponência do Imperador da barba florida”.
Tal popularidade fez com que “A História do Imperador Carlos Magno e os Doze Pares de França” servisse de inspiração para cantadores e poetas populares, tanto em seus desafios quanto nos folhetos de feira, a começar por Leandro Gomes de Barros e João Melchíades Ferreira da Silva, dois expoentes da fase inicial do Romanceiro Nordestino. Na essência de suas narrativas os poetas destacam os valores da coragem, da honra a palavra dada, da nobreza e da fé.


Casa velha do Castro, onde nasceu minha avó. A construção datava de 1850

O Escudo Admirável e os poderes do
Responso de Santo Antônio


 Escudo Admirável

O meu bisavô Francisco de Assis e Sousa, o Fitico, um velhinho muito religioso e temente a Deus (como se dizia antigamente) possuía alguns livros de orações, dentre os quais um exemplar do Escudo Admirável*, magnífico compêndio editado na cidade do Porto – Portugal, na segunda metade do Século XIX. Essa relíquia bibliográfica, encadernada em capa dura e ainda em excelente estado, apesar do constante manuseio, coube por herança à minha avó Alzira, que m’o deu de presente poucos dias antes de expirar o seu último suspiro aqui na terra.
Minha avó Alzira, antes de morrer, me doou um precioso acervo de livros sacros, alguns dos quais, herdados de seu pai, o velho Francisco de Assis e Sousa, o Fitico do Castro. Dentre esses livros estão dois volumes de O MARTIR DO GÓLGOTHA, tradução de J. Cruzeiro Seixas, impressa em Porto - Portugal, em 1883. Um outro livro precioso é o ESCUDO ADMIRÁVEL. O mais interessante de todos, porém, sumiu misteriosamente de minha biblioteca. Era um exemplar de A BÍBLIA DAS ESCOLAS ou HISTÓRIA RESUMIDA: ANTIGO E NOVO TESTAMENTO - 4ª Edição, 1905 - Friburgo em Brisgau (Alemanha) pelo editor B. Herder, Livreiro Editor Pontifício.
Este livro era fartamente ilustrado com gravuras e mapas da Terra Santa. Em seu miolo, havia recortes de jornais sobre a história da Matriz de Santo Antônio, de Quixeramobim, e a assinatura do velho Fitico na folha de rosto, com a data de 1912. Eu fico me perguntando se não há alguma sombra de remorso na consciência do gatuno que me surrupiou essa preciosidade? Hoje, talvez, encontra-se empoeirado e esquecido numa estante qualquer, algo que tem um valor sentimental imensurável para a minha pessoa. Na imagem abaixo, apresento-lhes a capa da referida publicação, exatamente igual à que herdei de minha avó, que encontrei no site MERCADO LIVRE.


Exemplar de A BÍBLIA DAS ESCOLAS, mesma edição que eu possuía

Alzirinha era devota fervorosa de Santo Antônio de Pádua, taumaturgo católico que goza de grande prestígio no Brasil e Portugal, cuja data magna se festeja no dia 13 de dezembro. Vovó costuma rezar a sua trezena, de 01 a 13 de junho e o ponto alto da celebração era a declamação do RESPONSO DE SANTO ANTÔNIO, que assim se apresenta no Escudo Admirável:

RESPONSO DE SANTO ANTONIO

- Se milagres desejais,
Recorrei a Santo Antônio,
Vereis fugir o demônio
E as tentações infernais.

- Recupera-se o perdido.
Rompe-se a dura prisão
E no auge do furacão
Cede o mar embravecido.

- Todos os males humanos
Se moderam, se retiram,
Digam-no aqueles que o viram,
E digam-no os paduanos.

- Recupera-se o perdido.
Rompe-se a prisão
E no auge do furacão
Cede o mar embravecido.

- Pela sua intercessão
Foge a peste, o erro, a morte,
O fraco torna-se forte
E torna-se o enfermo são.

(Rezar um Glória ao Pai).

- Recupera-se o perdido
Rompe-se a dura prisão
E no auge do furacão
Cede o mar embravecido.

V. – Rogai por nós, bem-aventurado Antônio.
R. – Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.


(Fonte: Escudo Admirável, pág. 451)

Atribui-se ao Responso de Santo Antônio o dom de achar objetos perdidos e também desvendar roubos misteriosos. Tal propriedade é citada no romance Luzia Homem, de Domingos Olympio. Sobre o santo Orago português, nos diz Câmara Cascudo, em seu Dicionário do Folclore Brasileiro: “Um dos santos de devoção mais popular no Brasil. Suas festas quase desapareceram, mas o prestígio se mantém nos assuntos de encontrar casamento e encontrar coisas perdidas. (...) Uma tradição conservada oralmente há mais de um século reza:

Quem milagres quer achar
Contra os males do demônio,
Busque logo a Santo Antônio
Que só há de encontrar.

Aplaca a fúria do mar,
Tira os presos da prisão,
O doente torna são,
O perdido faz achar.

E sem respeitar os anos
Socorre a qualquer idade,
Abonem esta verdade
Os cidadãos paduanos.”

* Sobre o ESCUDO ADMIRÁVEL
Escudo Admirável para os Males da Vida
Padre Manoel José                      
Editora: Casa de Cruz Coutinho
Ano: 1863
Título completo: Escudo Admirável Para os Males da Vida: Torre fortíssima para o instante da morte e patrocínio efficaz no Divino Tribunal. Nova edição, accrescentada com muitas Novenas e outras devoções Pelo Padre J. R. C.

ORAÇÕES DE MINHA AVÓ

Noite de verão, com a lua cheia clareando os terreiros, era um convite à vizinhança para as rodas de conversa no alpendre de meus avós. Quando não era possível entabular essa roda de conversa, a segunda opção era a sala de jantar, onde se jogava  o baralho, comia-se uma boa ceia de coalhada, ou se fazia a leitura de cordéis. Para encerrar o programa vinham as novenas, onde minha avó recitava as  JACULATÓRIAS DE SANTO ANTÔNIO:

JACULATÓRIAS DE SANTO ANTÔNIO

Quando criança eu via a minha avó Alzira, devota fervorosa de Santo Antônio de Pádua, rezar sua Trezena todos os anos, no período de 01 a 13 de junho. O que eu mais gostava era de ouvir o RESPONSO DE SANTO ANTÔNIO e as JACULATÓRIAS, ambas compostas em quadras, em redondinha maior (versos de sete sílabas), o que lembrava-me sempre os folhetos e romances de cordel que ela lia após o jantar.
A seguir, algumas quadras extraídas do ESCUDO ADMIRÁVEL, livreto de orações impresso em Portugal, que pertenceu ao meu bisavô Fitico e depois passou para minha avó:

Ó angélico Santo Antônio
Com Deus-Menino nos braços
Fazei com que Ele me prenda
Com seus amorosos laços.

Ó angélico Santo Antônio
Espelho de castidade
Conserve meu coração
Livre de toda maldade.

Ó angélico Santo Antônio
Em milagres portentoso
Pedi a Deus que me dê
Um coração fervoroso.

Ó angélico Santo Antônio
Dai-me a vossa proteção
Na terra guiai meus passos
Pra lograr a salvação.

Ó angélico Santo Antônio
Que deparais o perdido
Alcançai-me uma dor grande
De ter a Deus ofendido.

Ó angélico Santo Antônio
Se vossa língua é bendita
Fazei que vossa doutrina
Na minh’alma esteja escrita.

Ó angélico Santo Antônio
Se os inocentes livrais
Livrai-me de cometer
Horrendas culpas mortais.

Ó angélico Santo Antônio
Esplendor de Portugal,
Valei-me e acompanhai-me,
Que sou vosso natural.


Outros Livros

Outras obras interessantes que tive o prazer de conhecer na infância e não foram doadas para o meu acervo eu procurei readquirir por meio de compra, às vezes sem dar importância ao valor cobrado. Dentre essas figuram “O sanfoneiro do Riacho da Brígida”, biografia de Luiz Gonzaga escrita por Sinval Sá, escritor de quem me tornei amigo tempos depois. A avó tinha um exemplar da primeira edição, de 1966. Readquiri também “Sertão Alegre” e “Cantadores”, de Leonardo Mota e muitos outros que me passaram pelas mãos entre os oito e os quinze anos de idade.
“O Patriarca do Juazeiro”, biografia do Padre Cícero escrita pelo Padre Azarias Sobreira tem uma história interessantíssima. Conforme divulguei no primeiro livro desta série, “Sertão em Desencanto”, Padre Azarias, quando adolescente, hospedou-se na fazenda de meus bisavós Fitico e Mercês, nascendo daí uma amizade que perdurou pelo resto da vida. Foi por orientação do Padre Azarias que o velho Fitico resolveu construir a capelinha do Castro, dedicada à Jesus, Maria e José. Foi nessa pequena igrejinha que recebi a água e os Santos Óleos do batismo e, oito anos depois, recebi a Primeira Comunhão.


Quando o Padre Azarias publicou a primeira edição de “O Patriarca do Juazeiro”, fez questão de enviar um exemplar autografado e com uma bela dedicatória para a minha bisavó. Tive contato com esse livro na infância e depois o perdi de vista. Por um desses milagres do ‘deus’ destino, esse livro retornou às minhas mãos graças ao amigo Jander Araújo, que ao ler na página de rosto a seguinte dedicatória “À Dona Mercês de Sousa – uma humilde lembrança do Autor. Fortaleza, 17 de setembro de 1969, Pe. Azarias Sobreira”, entendeu que o livro deveria ficar em meu poder. Foi um dos melhores presentes que já recebi em minha vida.

Bisavó Mercês de Sousa Vianna


(In ‘Histórias que os antigos me contavam’ – Volume III de Memórias)

ANEDOTÁRIO CEARENSE

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Humberto de Campos, escritor maranhense

ANEDOTAS DO LEOTA

No post de hoje, apresentamos aqui uma série de causos e anedotas recolhidos por Leonardo Mota e publicados por Humberto de Campos em seu volume de anedotas galantes de todos os tempos e todos os povos, intitulado “Alcova e Salão”:


O vestido da Francisca

Certo bispo de uma diocese nordestina devia chegar em desobriga a mna cidade e isso punha em polvorosa os alfaiates e as modistas do lugar, pois que as "Visitas Pastorals", importantes festas, não só de caráter religioso. Velha matuta previdente, vendo avizinhar-se a chegada do dignitário da Igreja, exigiu que uma costureira apressasse a entrega da encomenda de uns vestidos para a filha. E fê-lo aludindo a dupla circunstancia de a chegada do bispo estar iminente e a moça não dispor de muitas condignas mudas de roupa:
— Avie, comadre, avie com isso! A Francisquinha esta nua e o senhor Bispo está em cima!...




A "veiaca"

Certo médico teve de aplicar num velho sertanejo uma série de injeções de mercúrio. Dolorosas que sao tais injeções, a terceira ou quarta das mesmas, quando o cHnico procurava lancetar a nádega do cliente matuto, notou que este encolhia as traseiras, num irreprimível nervosismo.
Observando isso, perguntou-lhe:
— Que historia e esta? Você esta com medo?
— E medo não, seu Doutô... E o diabo da bunda que esta ficando “veiaca”!

A vaca da sogra

Em Ingazeiras. Na "ponta da linha", isto e, na derradeira estação ferroviária da "Baturité", há uma latada que serve de mercado de frutas e carne verde. Sob o pretexto de me servir do café vendido por gorda e velha negra, acerco-me de um grupo de matutos palradores. files palestram sobre seus próprios interesses:
— Compadre, você e feliz com gado?
— Qual! Nem eu, nem minha sogra.
Eu, assim mesmo, o ano passado, inda peguei tres bezerros, Mas, minha sogra, coitada, nao passou duma vaca parida.

O "iscandeloso"

Duas horas de uma tarde de setembro em Quixadá, no Ceara. Nos meses da seca, ventos fortíssimos agitam a cidade, enchendo-a de pó, num doido bater de portas.
Na vasta praça da Matriz, sobretudo, as transeuntes jovens sofrem o vexame de se verem quase desnudas pela ventania que lhes sacode as saias curtas.
Velha matuta austera ia com a filha a meio da praga, quando um redemoinho se desencadeou. Segurando as saias e agachando-se, a matrona avisou, prudente:
— Lá vem o ridimunho! Te põe de coca, menina, te põe de coca que lá vem o iscandeloso!


(In Alcova e Salão – Humberto de Campos)


O escritor cearense Leonardo Mota




Baixe o livro ALCOVA E SALÃO e muitos outros nesse link:
https://groups.google.com/forum/#!topic/armazem18/oWftw6YPbO0

HISTÓRIA DE UMA CANÇÃO

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CALDEIRÃO DE MITOS E SUA RELAÇÃO 

COM O MUNDO DO CORDEL



Sempre gostei dessa composição, desde que a ouvi pela primeira vez. Por sinal o primeiro disco de Elba Ramalho que eu comprei não foi o AVE DE PRATA (de 1979), mas o segundo que ela gravou “CAPIM DO VALE” (CBS, 1980), uma verdadeira tijolada de música nordestina da melhor cepa, mesclada com outros ritmos universais. Eis aqui um texto do autor da canção, Bráulio Tavares, publicado no seu blog MUNDO FANTASMO (http://mundofantasmo.blogspot.com/) que merece ser reproduzido aqui no ACORDA CORDEL. Sabem por quê? Além de conter elementos da cantoria de viola, a música faz referências aos três amarelinhos mais famosos da LITERATURA DE CORDEL, no caso: Pedro Malazartes, João Grilo e Cancão de Fogo...

Vi um magrelo amarelado
Passando a perna no patrão
Não foi ninguém da Inglaterra
Nem de Paris, nem do Japão
Era Pedro Malazarte
Era João Grilo e era Cancão.

A.V.


TEXTO DE BRÁULIO TAVARES
Minhas canções: Caldeirão dos Mitos

Tenho visto alguns livros muito interessantes em que compositores explicam como foram criadas algumas de suas canções mais conhecidas, o processo de composição, as circunstâncias, como foi gravada a música...

Tenho alguns volumes da série de Ruy Godinho Então, foi assim? e o livro de Paulo César Pinheiro Histórias das Minhas Canções (LeYa).

Pensei comigo: está aí um bom assunto para escrever de vez em quando, porque mesmo quando as músicas não sejam grande coisa (tem as que são, e as que não são), às vezes a história lança alguma luz sobre processos criativos em si, sobre o meio musical, sobre um momento da História, e tudo isso interessa.

Minha primeira música gravada foi “Caldeirão dos Mitos”, que Elba Ramalho incluiu no seu segundo disco, Capim do Vale (1980). Foi composta, como a maioria das músicas que faço sozinho, em duas fases: primeiro a melodia, depois a letra.

A melodia era muito antiga, era dos anos 1970, quando voltei de Belo Horizonte para Campina Grande e passava o dia inteiro pegado com o violão, redescobrindo o forró e a cantoria de viola. Se bem que essa melodia, especificamente, era anotada em meus caderninhos com o título provisório de “I wanna sing this all together”, verso que misteriosamente se transformou, anos depois, em “Eu vi o céu à meia-noite”.

Esse título não era pra valer, aliás era meio chupado de uma canção dos Rolling Stones, acho que em Their Satanic Majesties Request, mas na época em que fiz essa música eu ouvia muito umas bandas menores, que tocavam no rádio. Uma delas era o Mungo Jerry, com uma canção brincalhona e simpática chamada “In the Summertime”:


Uma pessoa com o mais rudimentar conhecimento musical vai dizer que as duas músicas não têm nada a ver uma com a outra, e este é um dos mistérios da criação artística. Ela se dá por uma cadeia de associações de idéias com saltos tão grandes que na quarta ou quinta parada já não se tem a menor noção de como aquilo começou.

A única coisa clara para mim era que não haveria a tal “segunda parte”, que é uma coisa da MPB e da música fonográfica em geral. Eu queria o modelo da canção folk: estrofe musical única, com sucessivas letras nas mesmas notas. É o modelo “Asa Branca”, é o modelo que o folk-rock norte-americano, Bob Dylan à frente, empregava, bebendo nas canções irlandesas e escocesas trazidas pelos colonizadores.

No São João de 1978 eu morava em Salvador, e não tinha grana para ir passar a festa junina em Campina Grande. Me veio a idéia de fazer uma música falando em São João, mas a primeira frase que me veio à mente foi “o Apocalipse de São João”. (Olha aí como funcionam as associações de idéias!).

Essa imagem me trouxe à mente o céu pegando fogo, a qual de imediato me lembrou uma espécie de trocadilho que eu já tinha usado antes, em mais de um contexto: o fato de que “corisco” quer dizer relâmpago, e “lampião” quer dizer candeeiro, ou seja, duas coisas que produzem clarão dentro da noite. Estava pronta a primeira estrofe:

Eu vi o céu à meia-noite
se avermelhando num clarão
como o incêndio anunciado
no Apocalipse de São João
porém não era nada disso
era um corisco, era um lampião.

O que faz o compositor preguiçoso? Exatamente o que eu fiz: pega a estrutura da primeira estrofe e a repete, com outros elementos, sem introduzir nenhum conceito novo. O conceito da canção (que eu poderia, se quisesse, ter expandido para 200 estrofes) era: “Eu vi uma coisa assim-assim; não era tal-e-tal-coisa da Bíblia; era tal-e-tal-coisa do Sertão”.

Claro que o conceito não é seguido de forma totalmente rígida, me permiti introduzir aqui e ali uns elementos destoantes (Inglaterra, Paris, Japão), mas é isso mesmo. O dono do poema é o poeta. Ele não precisa obedecer a regra nenhuma, nem mesmo a que ele acabou de criar. Georges Perec, um obsessivo criador de regras, pregava o conceito de “clinâmen”, e dizia: “Crie uma regra super rigorosa, e a obedeça da maneira mais fanática; depois, num ponto escolhido com cuidado, desobedeça essa regra. Produza voluntariamente uma exceção, num ponto onde seria facílimo ter continuado a fazer como antes.”

O primeiro título que dei à música depois de pronta, pegando como deixa a estrutura “eu vi isso, eu vi aquilo”, foi “Visão do Mundo”. Tá vendo como é bom continuar procurando uma segunda idéia?

Toquei essa música em público pela primeira vez em 1979, numa coletiva de compositores baianos no Teatro Castro Alves repleto, na qual entrei por obra e graça de Zelito Miranda, com quem eu estava compondo bastante na época. Eu não tinha coragem de subir no palco, mas ele praticamente me arrastou até o microfone e disse: “Vai, Galo, agora canta essa porra.”

Na primeira versão a música não tinha o “riff” entre as estrofes, que depois ficou característico, o “tãrãrã -- tãrãrã”. Este foi criado algum tempo depois, quando eu estava no Recife ensaiando para um show que fiz com outro parceiro, Zé Rocha. Ele gostava da música mas achava que era meio repetitiva (e é), era preciso dar uma encorpada nela com alguma coisa instrumental e diferente, já que a gente ia tocar com banda. E na hora mesmo do ensaio eu fiz o rasqueado veloz, 3+3 notas, que foi logo incorporado.

Cantei muito essa música em palco de bar e em mesa de bar. Em 1979, Elba Ramalho levou para a Bahia seu show Ave de Prata, no lançamento desse seu álbum de estréia, e se apresentou no Teatro Vila Velha, acompanhada pela Banda Rojão (Zé Américo, Guil Guimarães, Joca, Marcos Amma, Élber Bedaque).

Falou que queria gravar alguma coisa minha. Eu mostrei o “Caldeirão”, ela disse: “Me mande numa fita! É genial, vou gravar com certeza”. (Eu levaria alguns anos para perceber que ela diz isso com toda música minha, mas só grava de vez em quando.)

A música foi gravada para o segundo disco dela pela CBS, Capim do Vale (1980), e acabou sendo a música de abertura do Lado A, uma honra impensável para um compositor desconhecido que estava tendo uma canção gravada pela primeira vez. Ainda mais num disco que trazia Sivuca, Alceu Valença, Zé Ramalho, Pedro Osmar, Elomar...

Quando o disco saiu, toda vez que chegava gente querendo ouvir “o disco novo de Elba”, eu tirava o vinil de dentro da capa e checava toda vez o selo pra ver se meu nome continuava lá.

A gravação de Elba produziu um arranjo perfeito, com levada de arrasta-pé (que eu chamo de “marcha-quadrilha”), e a ótima idéia de começar com a música “solta”, sem ritmo, somente voz e sanfona se erguendo lentamente em meio às percussões, e só depois a banda atacando completa no “tãrãrã -- tãrãrã”.  E no meio da canção, quando fala “Era um fole de 8 baixos a tocar numa noite de forró”, a intervenção agilíssima de Abdias.

Aqui, a gravação original:


MESTRES DO CORDEL

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JOSÉ PACHECO DA ROCHA, 
O MESTRE DO GRACEJO


Fotografia de JOSÉ PACHECO, restaurada por Klévisson Vianna


Sempre tive profunda admiração pela obra do poeta pernambucano José Pacheco da Rocha, autor, dentre outros, do clássico ‘A chegada de Lampião no Inferno’. Mestre do gracejo, com pleno domínio da métrica e da rima, sobressaía-se mais ainda na condução do enredo, que os estudiosos do cordel classificam como “oração”, ou seja, a sequência dos fatos relatados, já que o cordel é, por excelência, uma poesia narrativa.
Dentre os muitos folhetos de gracejo escritos pelo poeta, destacam-se ainda “A intriga do Cachorro com o Gato”, “A vaca da costela de pau”, “Encontro de Lampião com a Velha Feiticeira”, “Grande debate de Lampião com São Pedro” e este intitulado “A FESTA DOS CACHORROS”, que é o meu predileto, embora seja um dos menos conhecidos.

Seguem algumas estrofes desse maravilhoso folheto, descrevendo o modus vivendi da cachorrada:

Havia um cachorro velho
Chefe da localidade
Os outros lhe veneravam
Com respeitabilidade
Tanto porque era o chefe
Como pela sua idade.

Tinha uma filha bonita
Trabalhava em seu socorro
Dessas que se diz assim:
- Por aquela eu mato e morro
Capaz de embelezar
O coração de um cachorro.

Certo dia um primo dela
Vindo de uma batucada
Passando pelo terreiro
Ela estava acocorada
Catando pulga e matando
No batente da calçada.

- Bom dia, querida prima!
O cachorro assim falou.
Ela respondeu: - Bom dia,
E disse, como passou?
- Então, como vai meu tio?
O mesmo lhe perguntou.

E palestraram bastante
Cada qual mais satisfeito
Foi um namoro pesado
Porém com muito respeito
Mas para se apartarem
Quase que não tinha jeito.

Trocaram dúzias de beijos
Ambos ali abraçados
Choravam um pelo outro
E todos dois agarrados,
Devido a grande amizade
Quase que ficam pegados.

Chegou em casa escreveu:
"Prima do meu coração,
eu não posso deslembrar-me
de tua linda feição,
portanto venho pedir-te
tua delicada mão.

Recomendações à todos,
Um abraço em minha tia
Sem mas assunto desculpe
A ruim caligrafia
Deste teu primo Cachorro,
Etcetera & companhia."

Depois fez no envelope
Um ramalhete de flor
Ele mesmo foi levar
Pra dar mais prova de amor
E mesmo é muito custoso
Cachorro ter portador.

(...)


Quando os pais e os irmãos da ‘moça’ tomaram conhecimento das intenções do Cachorro enamorado, foram radicalmente contra àquela união por ele almejada. O motivo? O dito cachorro além de ser “cachaceiro” era liso e desempregado:

Disseram: - Ele é parente,
Mas anda de cachaçada,
É um liso, não trabalha
Portanto não vale nada!
E por fim até juraram
De botar-lhe uma emboscada.

A Cachorra noiva disse:
- A ele vocês não comem,
E acho conveniente
Que nova reforma tomem
Porque eu só não me caso
Se Cachorro não for homem!

- Ou fazem meu casamento,
Ou então de madrugada,
Eu vou arribar com ele
E fico sendo amigada
Embora a nossa família
Fique desmoralizada!

O velho considerando
Da desmoralização,
Disse pra ela: - Eu te caso,
Mas sustento a opinião
De nem cruzar teus batentes
Nem te botar mais benção!

(...)

Finalmente os familiares da cachorra consentem seu casamento com o primo cachaceiro e, para não fazer feio, resolvem fazer um banquete de arromba. Pacheco começa pela descrição dos presentes recebidos pela noiva e os objetos que o Cachorro noivo adquiriu para mobiliar sua casa:

Vamos tratar dos presentes
Que a noiva recebeu:
Sapato, roupa e capela,
A dona Preguiça deu
Aranha mandou um véu
Que ela mesma teceu

Guariba deu-lhe um buquê
Da barba do Guaribão
O Gato deu aliança
O Timbu uma loção
O Preá lhe deu um bilro
O Rato deu-lhe um botão.

O noivo também comprou
Agulha, linha e dedal
Uma panela e dois pratos,
Uma colher de metal,
Balaio de guardar ovos
Vasilha de botar sal.

Abano, esteira, pilão
Um ralo e um samburá
Marmita, gamela e cuia
Vassoura, estopa e puçá
Fez a conta e depois disse:
- Pra quem é pobre já dá!

No dia do casamento
Estava tudo arrumado,
Faltava somente a carne
Para tratar do guisado
Com pouco, cada cachorro
Chegava mais carregado.

Um trazia um pinto morto,
(Não sei onde foi achá-lo )
Outro trazia também
Uma ossada dum galo.
Teve um que trouxe até
A ossada dum cavalo.

Vinha um com tanto troço
Que no caminho quase cansa,
Uma queixada de burro
Os encontros de uma gansa
Pedaços de couro velho
Pontas de boi da matança.

O mais engraçado de tudo é o “asseio” da cozinheira contratada para fazer o banquete. Uma cachorra velha parteira, que se encontravam doente de rabugem e catarro:

Uma parenta do velho
Era até boa parteira
Pegava cachorro novo
Ali naquela ribeira
Por ser curiosa e limpa
Foi servir de cozinheira.

Chegou e disse: - Meu povo,
Eu vim porque fui chamada,
Porém estou com rabugem
E muito encatarroada
O dono da casa disse:
- Ora comadre, isto é nada!

- Temos aí muita carne
Arroz, macarrão, farinha,
Guise lombo,  faça bife,
Torre porco, asse galinha,
Eu quero é que todos digam
Que na festa tudo tinha.

- Está certo meu compadre!
Disse um cachorro cotó,
Disse a noiva: - Sendo assim,
Eu hoje encho o bozó.
Disse o noivo: - Eu como tanto,
Chega o rabo dá um nó!

BIOGRAFIA DO POETA JOSÉ PACHECO
Por Leonardo Vieira de Almeida*

José Pacheco da Rocha, ou José Pacheco, como é mais conhecido, nasceu no Município de Corrientes, em Pernambuco, residindo algum tempo na cidade de Caruaru, naquele mesmo estado.
Viveu muitos anos em Maceió, Alagoas, vindo a falecer naquela cidade, provavelmente em 1954. Folhetos de sua autoria foram publicados pela Luzeiro Editora, de São Paulo. Recentemente, a Editora Queima-Bucha, de Mossoró (RN), publicou o folheto A intriga do cachorro com o gato. Além disso, há edições de suas obras pela Catavento, de Aracaju (SE); Lira Nordestina, de Juazeiro do Norte (CE); Coqueiro, de Recife (PE), e por outras editoras.
Seus folhetos mais importantes são História da princesa Rosamunda ou a morte do gigante e A chegada de Lampião no inferno. As histórias de gracejos são um dos aspectos marcantes dos cordéis de José Pacheco, considerado um dos maiores cordelistas satíricos do Brasil. Mas o poeta se dedicou também a outros temas, como histórias de bichos, religião e romances.

Referências

▪ GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Secretaria do Estado de Ciência e Cultura e Departamento de Cultura – INEPAC/Divisão de Folclore. O cordel no Grande Rio. Rio de Janeiro: 1978.
▪ LOPES, Ribamar. Literatura de cordel: antologia. Fortaleza (CE): 1983, BNB.
▪ PROENÇA, Manoel Cavalcanti (Org.). Literatura popular em verso: antologia. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1986.
▪ CARDOSO, Tânia Maria de Souza Cardoso. Cordel, cangaço e contestação: uma análise dos cordéis "A chegada de Lampião no inferno" (José Pacheco da Rocha) e "A chegada de Lampião no céu" (Rodolfo Coelho Cavalcante). Rio Grande do Norte: Coleção Mossoroense, 2003.

* FONTE: CASA DE RUI BARBOSA

DE QUIXERAMOBIM A CANUDOS

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Minha Terceira Expedição a Canudos

Por: Bruno Paulino | Blog Cariri Cangaço



Fui pela primeira vez em Canudos em 2007, assistir o espetáculo Os Sertões, montado pelo diretor teatral José Celso Martinez. Era um jovem de 17 anos querendo compreender alguma coisa do livro vingador de Euclides da Cunha, que eu vinha lendo desde que me entendi por gente. Outra vez fui numa excursão, dez anos depois, com um grupo de amigos no ano de 2017. Todas essas viagens tiveram significados muito particulares para mim. Então, por isso, pela terceira vez, visitei a cidade de Canudos na Bahia. Uma terceira expedição de amor àquela cidade. Continuo, como pesquisador e sujeito, em busca do mistério daquele lugar, sagrado para uns e maldito para outros tantos. Quando assunto é Conselheiro e Canudos, creio que somos todos sempre meros principiantes.
Lá estive no último fim de semana participando da I Feira Literária de Canudos-BA (22,23 e 24 de novembro, de 2019), estiveram reunidos no evento os maiores pesquisadores do tema Antônio Conselheiro e Canudos no Brasil: Pedro Lima Vasconcelos, Luitgarde Oliveira, Sergio Guerra, Fabio Paes, Aleiton Fonseca, Antônio Olavo, Evandro Teixeira, Oleone Coelho e o cantor Jereba dentre outros.  A feira foi um sucesso, sem dúvidas, pois conseguiu o nobre objetivo de envolver parte significativa da comunidade canudense, sobretudo, fiquei feliz de ver a participação das crianças expondo seus trabalhos através da flicanzinha, emocionante.


Paula Georgia e Bruno Paulino

Saímos de Quixeramobim na madruga às três horas da manhã da sexta, 22. Embarcaram comigo nessa aventura os amigos: Pedro Igor, Rabelo, Paula Georgia e Neto Camorim. No caminho conversas diversas, o som moderno dos Novos Baianos alternando com a melodia amorosa e saudosista das canções de Roberto Carlos; a paisagem sertaneja e muita estrada pela frente. Chegamos em Canudos quase duas da tarde, antes almoçamos no distrito de Bendengó, a terra onde caiu o meteoro que no ano passado foi uma das poucas peças a resistir ao incêndio no museu nacional, mais simbólico impossível.
Na sexta à tarde ainda assistimos algumas mesas-redondas e conferências, visitamos uma exposição e compramos livros, pegamos o sol se pondo lindo do mirante onde está assentada uma estatua do Conselheiro que abençoa a cidade; e definitivamente não existe por do sol mais bonito que o de Canudos. À noite uma banda de pífanos se apresentava no palco principal do evento – uma tenda de circo improvisada - enquanto eu comprava artesanatos. Logo depois nos jardins do memorial, escambei alguns de meus livros com outros autores entre conversas e troca de contatos de whatsapp.



Entrega do Diploma do Cariri Cangaço ao Professor Luiz Paulo Neiva em Canudos

A noite fechou magicamente com um show de Fabio Paes cantado clássicos de Canudos e outros Cantos do Sertão, foi nesse momento que ao lado dos escritores; Oleone Fontes, Pedro Igor e Zé Bezerra entregamos com muita honra e de forma solene, o Diploma do Cariri Cangaço ao Curador da FLICAN, professor Luiz Paulo Neiva; em representação a Manoel Severo e toda a família Cariri Cangaço, como o primeiro passo para realizarmos o grande Cariri Cangaço Canudos em 2021 !!!
Sábado de manhã, 23, visitamos o Parque Estadual de Canudos, guiados pelo professor Neto Camorim, que já fez inúmeras visitas ao parque. Emocionei-me, sobretudo, ao ver o marco denominado “Outeiros de Maria” para homenagear as mulheres canudenses vitimas do massacre republicano, que durante a guerra, às seis da tarde, se reuniam para rezar, entoar ladainhas e incelenças. Não preciso e nem quero lembrar o triste destino que muitas delas tiveram após a guerra.
Outra alegria que tivemos foi reencontrar dentro do parque, as margens do Cocorobó, com o professor Pedro Lima Vasconcelos, que me presentou com seu trabalho Antônio Conselheiro por ele mesmo, onde recupera os manuscritos do beato. O professor comentou conosco que está escrevendo um novo trabalho que em breve virá a publico, como o sol estava insuportavelmente quente a conversa não se prolongou.
Saindo do parque fomos ao jorrinho, um balneário local, almoçamos um “bodinho baiano” e peixe com baião de dois. De lá partimos para ver o jogo do Flamengo, com o amigo Pedro Igor, flamenguista dos mais doentes. Findado o jogo só festa. Canudos estava feliz como todo o resto do Brasil pelo titulo do time brasileiro em cima do River Plate, mesmo não torcendo pelo rubro-negro guardarei para sempre essa lembrança comigo. Para findar a noite um show sensacional de Gereba, entoando os versos: “... A história fará sua homenagem à figura de Antônio Conselheiro...”. Domingo de manhã, antes de retornar à Quixeramobim, visitamos Canudos Velha e enquanto olhava para o pequeno museu histórico, montado por seu Manoel Travessa, lembrei-me do filme Bacurau, e era impossível não pensar: Canudos é hoje! Pegamos a estrada no caminho de volta. Canudos, até breve, volto outra vez!

ADEUS AO POETA

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Escritor Paulo Nunes, de João Pessoa, morre neste domingo em Anápolis–GO


Poeta, repentista e cordelista, era bacharel em Direito e jornalista por profissão.

Por Walter Santos | Portal WSCOM

O escritor Paulo Nunes Batista, natural de João Pessoa, morreu na manhã deste domingo, 1° de dezembro, aos 95 anos de idade. Poeta, repentista e cordelista, era bacharel em Direito e jornalista por profissão.
Trabalhou como vendedor ambulante de folhetos de cordel e livros.Conquistou vários prêmios literários.
É citado na enciclopédia Delta Larousse. Teve poemas traduzidos para o espanhol, inglês e japonês e mais de dez livros publicados.
ORIGEM – Natural de João Pessoa, filho do poeta e editor Chagas Batista (foto), um dos pioneiros da Literatura de Cordel, Paulo Nunes Batista deixou a Paraíba ainda na adolescência, indo para o Rio de Janeiro e depois morando em cerca de 20 cidades brasileiras até se radicar em Anápolis a partir de 1950. Em terras goianas tornou-se funcionário público estadual e membro da Academia Goiana de Letras.
Foi importante militante do Partido Comunista do Brasil entre 1946 e 1952. Leia trecho do seu Poesia Popular.

O cordel é brasileiro
fala do que o Povo sente
no verso lido na praça
ou cantado no repente,
pois cordel é voz da raça,
é (em)canto de nossa gente.



ALGUNS FOLHETOS DE PAULO NUNES BATISTA





Escrevi esta singela homenagem ao poeta 

Paulo Nunes Batista em 2011. 

No dia 02 de agosto de 2019, esse mestre do cordel 

completou 95 anos de idade.

(Arievaldo Vianna)

É uma justa homenagem
Para um renomado artista
Escritor de nomeada
Inspirado cordelista
Lenda viva da poesia
O Paulo Nunes Batista.

Filho de Chagas Batista
Um famoso menestrel,
No universo das letras
Desempenha o seu papel
Levando sempre adiante
A bandeira do cordel.

É autor de vários livros
E centenas de folhetos
E compõe, com maestria
Acrósticos, glosas, sonetos
Transborda filosofia
Até mesmo em poemetos.

Um literato de fibra
Sob meu ponto de vista,
Espírito humanitário
Quem tem saber altruísta
Parabéns à Biblioteca
E ao Paulo Nunes Batista.

Ficou órfão muito cedo
Mas venceu este empecilho
Estava predestinado
A ser poeta de brilho
Quando criança ajudava
Manoel D’Almeida Filho.

Descende de um velho tronco
Da fina-flor repentista
Do qual brotaram Hugolino
E Agostinho Batista;*
Seu mano, o Sebastião
Também foi bom cordelista.

* Hugolino do Sabugi e Agostinho Nunes da Costa são ancestrais de Paulo Nunes Batista. Do grande poeta Agostinho Nunes da Costa (1797 – 1858), seu bisavô, ficou registrada essa bela estrofe onde fica evidente o desejo de liberdade que sempre alimentou essa família de poetas:

Nasci livre, Deus louvado
E até sem medo fui feito
Porque meu pai, com efeito,
Com minha mãe foi casado;
Também nunca fui pisado
Como terra ou capim
E se alguém pensar assim
É engano verdadeiro:
Olhe para si primeiro
Quem quiser falar de mim.

Voltemos ao Paulo Nunes, nosso homenageado:

Ainda na Era Vargas
Enfrentou a Ditadura
Ingressou no Partidão
Com alma sincera e pura
A arma que mais usou
Foi sua literatura.

Viveu no Rio de Janeiro
Aonde foi estudante
Porém a mão do destino
O lançou na vida errante
Até que chega em Goiás
Do seu Nordeste distante.

Comunista e agnóstico
E nesta louca ciranda
Paulo Nunes vai um dia
Num terreiro de Umbanda
Sua vida, nesse instante,
Recebe outra demanda.

Uma surra dos “caboclos”
Naquele dia levou
E por ver a coisa séria
Naquela seita ingressou
Mais tarde, o Espiritismo
De Allan Kardec abraçou.

Sobre seu ingresso na Umbanda e suas convicções políticas, assim se expressou o poeta:

Inimigo de tiranos
Tenho horror à hipocrisia
Para festejar a Vida
Troco a noite pelo dia.
O caboclo “Cachoeira”
É – nas Umbandas – meu guia...

O certo é que Paulo Nunes
Não levou a vida a esmo
Nem esqueceu o Nordeste,
Da rapadura e torresmo,
Vejamos umas estrofes
Do ABC para mim mesmo:

“Operário da caneta,
Já vivi só de escrever.
Poeta de profissão
Em Goiás pude viver
Dos folhetos que escrevia
Para nas praças vender.

Trovador: escrevo trovas,
Sonetos, sambas, canções,
Contos rimados, poemas,
Num mar de improvisações,
Tenho setenta folhetos
Com diversas edições.

Versejador, viajante,
Das estrelas do Repente:
Abro a boca, o verso nasce,
Como nasce água corrente,
Tenho feito alexandrinos
Em três minutos somente...”

O certo é que Paulo Nunes
É bamba na poesia
Em 2000 ele ingressou
Na goiana Academia
De Letras e se orgulha
Desse luminoso dia.




ILUSTRAÇÃO: Jô Oliveira

Paulo Nunes Batista
(02/08/1924)

Do site: https://memoriasdapoesiapopular.wordpress.com

Paulo Nunes Batista, nascido dia 02 de agosto de 1924, capital do Estado da Paraiba, ou seja, Parahyba do Norte, que posterior a revolução de 1930 e após a morte de João Pessoa, passando a chamar-se João Pessoa. O poeta já nasceu circundado por intelectuais e cordelista. Conforme Haurélio, seu pai, Francisco das Chagas Batista era cordelista, apoiado pelo blog da Casa Rui Barbosa que acrescenta a atividade de folclorista e o nome da genitora do poeta Hugolina Nunes Batista. Alem de cordelista, escritor, contista é advogado e jornalista.
Pelas suas posições ideias políticas Santana e Oliveira narra, que: “Na década de 1930, foi preso em diversas cidades brasileiras, pela sua participação e envolvimento com o Partido Comunista.” Embora se tenha conhecimento do fato e se dizendo comunista Nunes jamais se agregou oficialmente a qualquer legenda política.
No entanto, com relação as suas atividades intelectuais e culturais, faz parte de algumas instituições, ocupando a cadeira de número 8 na  qual foi empossado em 31 de agosto de 2000  diz Santana e Oliveira. Publicou mais de 130 folhetos de cordel e 28 livros de contos e poemas grande número através da Editora e Gráfica Franciscana, Petrolina, Ceará, 2007,  desta forma, seus escritos estão presentes na literatura brasileira.
Sua formação intelectual teve inicio em João Pessoa onde estudou o primário e, em Goiânia concluiu o curso de Madureza, “do curso de educação de jovens e adultos Após – e também do exame final de aprovação do curso – que ministrava disciplinas dos antigos ginásio e colegial, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1961.” formou-se em Direito, na Faculdade de Direito de Anápolis, em 1977.
Em 1969, por concurso público, ingressou no Fisco Estadual e trabalhou em diversas cidades goianas. Hoje é aposentado.
Após morar em vários estados do Nordeste Alagoas e Bahia, Sudoeste Rio de Janeiro e São Paulo e Minas Gerais. Em 1947 fixou residência em Anápolis no estado de Goiás. Ali, em 1949, publicou o seu primeiro folheto de cordel pela Tipografia do jornal A luta. De acordo com Haurélio, “Seus textos poéticos foram traduzidos até para o japonês”.

Ainda com relação a publicação da sua obra,  Santana e Oliveira firmam que: “Suas obras foram traduzidas para  o inglês, espanhol, italiano, esperanto e braille.”

“Escreveu e editou dezenas de livros, sendo, no cordel, o ABC a modalidade que mais abraçou” garante Aurélio. O blog da casa de Rui Barbosa relata que: “Outra característica do poeta são os folhetos de utilidade pública voltados para o esclarecimento da população”. Para Altimar de Alencar Pimentel citado por Antônio Miranda  em seu blog, acrescenta: […] é esse lirismo, expressão maior do seu amor ao próximo, às coisas, à vida, o ponto mais alto da poesia de Paulo Nunes Batista, onde ele se despoja de compromissos ideológicos, para permitir que o poema surja pleno, límpido, cristalino”, a exemplo do poema Velhas Praias, dedicado a Francisco Miguel de Moura:

Ó minhas lavas praias nordestinas,
enfeitadas com velas de jangadas,
que, sobre o mar, vão leves, enfunadas
ao vento bom das ilusões meninas.


Praias perdidas na longíngua infância,
mas que retornam na sutil fragancia,
no adeus dos coqueirais, que o ser me invade…


Praias de brisas mansas soluçando…
Os olhos do Menino marejando…
E o coração chorando de saudades…

Atuou “também como professor lecionando a língua portuguesa no Colégio Comercial daquela cidade em 1950”.

Leitores eu vou contar
A vida de Bico Doce
Sujeito mais sabido
Que neste mundo encontrou-se
O próprio Cancão de Fogo
Com ele um dia embrulhou-se.

   Bico Doce nasceu
Disse-me quem assistiu
Antes do tempo esperado
Para o mundo ele existiu;
Nasceu andando e falando
Coisa que nunca existiu

 FONTES CONSULTADAS

BATISTA, Paulo Nunes. Disponível em: <http://academiagoianadeletras.org/membro/paulo-nunes-batista/>. Acesso em: 28 out. 2014.

BATISTA, Paulo Nunes. Sonetos seletos. Petrolina, PE: Franciscana, 2005. 100 p.

PERFIS biográficos. Paulo Nunes Batista. Disponível em: <www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/janela_perfis.html>. Acesso em: 28 out. 2014.

CORDEL Atemporal. BATISTA, Paulo Nunes. In: DICIONÁRIO básico de autores de Cordel. Disponível em: <http://marcohaurelio.blogspot.com.br/2011/06/dicionario-basico-de-autores-de-cordel.html>. Acesso em: 20 out. 2014.

MENEZES, Ebenezer Takuno de;  SANTOS, Thais Helena dos. Madureza” (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira: EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002. Disponível em:  <http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/ dicionario.asp?id=293>. Acesso em: 28 nov. 2014.

MIRANDA, Antonio. Paulo Nunes Batista. In: POESIAS dos Brasis. Disponível em: <http://www.antoniomiranda. com.br/poesia_brasis/goias/paulo_nunes_batista.html>. Acesso em: 10 out. 2014.

SANTANA Ana Elisa; OLIVEIRA, Noelle. Cordelista e escritor, Paulo Nunes Batista fala de seus mais de 28 livros publicados. Disponível em: <http://www.ebc.com.br/ cultura/2014/04/cordelista-e-escritor-paulo-nunes-batista-fala-de-seus-mais-de-28-livros-publicados>. Acesso em: 20 out. 2014.

Fonte: Anápolis 360


CORDELTECA EM BRASÍLIA

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Cordelteca João Melchíades, na Casa do Cantador, será inaugurada no dia 11/12


Espaço terá painel homenageando artista paraibano e acervo de 1200 obras com catalogação eletrônica


Valdério Costa

O artista plástico Valdério Costa começou a levar pincéis e tinta para a Casa do Cantador hoje (3). Vai criar um painel de 4 x 2,5 metros quadrados a fim de dizer ao mundo que Ceilândia é Nordeste e vice-versa.
O painel pretende representar vaqueiro ladeado por pavão misterioso, referências a romance de cordel (1923) do paraibano João Melchíades Ferreira da Silva (1869-1933), patrono do espaço. “É uma doação minha, por eu fazer parte deste do universo da literatura de cordel”, explica.

A Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec), responsável pelo equipamento, vai inaugurar no dia 11 às 10h uma cordelteca (biblioteca de cordéis) no Cantador e, com isso, dar um centro de referência para o gênero de arte no DF. Graduado em Artes Plásticas pela UnB, também poeta, escritor e ilustrador, Valdério inspira-se nas xilogravuras características do cordel para fazer suas pinturas.


O professor de língua portuguesa e membro do coletivo Cordel Malungada, Sabiá Canuto, integrante de uma nova geração de cordelistas no DF, explica que seu grupo “vê o cordel hoje como a mesma força da tradição original que, numa linguagem poética rígida e calçada na oralidade, aborda uma infinidade de temas do cotidiano e históricos”.

Canuto, que apresenta o trabalho do grupo no Instagram, acredita na capacidade do cordel de dialogar com as novas tecnologias, “pois existem diversas plataformas digitais que divulgam e disponibilizam cordéis para leitura gratuita, além de muitas delas trazerem informações históricas sobre cordelistas”, diz ele.


Casa do Cantador, em Brasília-DF

Sobre a cordelteca na Casa do Cantador, ele entende que será “uma ótima referência” para pessoas que desejam pesquisar e conhecer mais sobre essa literatura. “Estamos entusiasmados também com o atual [2018] registro do cordel pelo IPHAN como patrimônio imaterial. Fazemos parte desta história”.

O subsecretário do Patrimônio Cultural (Supac), Demétrio Carneiro Oliveira, destaca na inauguração da cordelteca a reafirmação da Casa do Cantador como referência para a cultura nordestina, a volta às raízes representadas pelo cordel e, ao mesmo tempo, a renovação da arte pela presença da nova geração de cordelistas. 

A gerente de acervos da Supac, Aline Ferrari de Freitas, explica que a cordelteca é fruto de um esforço coletivo, contando com doações e trabalhos voluntários. O acervo de 1200 títulos cresceu com as aquisições feitas por anônimos, por cordelistas de Guarabira (PB), do Instituto Ricardo Brennand (PE) e da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (RJ). 

As janelas da Casa do Cantador receberam película de proteção contra luz solar e calor, e o espaço ganhou decoração temática, com tapetes, almofadas e adesivos em padrões de xilogravuras estamparão as paredes.
Os cordéis, peças delicadas, serão dispostos dois a dois em pastas adaptadas. Estas vão ser acondicionadas em caixas doadas pela Mala do Livro, programa da Secec para divulgação da leitura. Por fim, o arranjo será catalogado no sistema integrado de bibliotecas do Distrito Federal e os cordéis poderão ser localizados digitalmente.


CEGO ADERALDO

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Entre o real e o imaginário

|Em produção | Cantador que recebeu homenagens de Baden, Gismonti, Luiz Gonzaga e do Grupo Opinião reviverá num "drama figural do sertão"



Publicado por O POVO em 30/04/2019



Imagens de Rosemberg Cariry e Cego Aderaldo (Foto: DIVULGAÇÃO)

O cineasta cearense Rosemberg Cariry, autor de Cego Aderaldo, O Cantador e o Mito, longa documental sobre Aderaldo Ferreira de Araújo (1878-1967), prepara agora a versão ficcional da vida do menino pobre que tornou-se fonte de inspiração de Baden Powell, Egberto Gismonti, Luiz Gonzaga, do Grupo Opinião (nas vozes de Nara Leão, Zé Ketti e João do Vale) e de Téo Azevedo. O filme, em fase adiantada de roteirização, se chamará A Lenda do Cego Cantador.
Para muitos especialistas, as composições que Baden e Gismonti dedicaram ao cego cearense estão entre as criações supremas de nossa música popular. Prova disso, é que artistas internacionais da grandeza de Ravi Shankar, Simone Zanchini, Grazyna Auguscik, Naná Vasconcelos e Ricardo Hersz emprestaram o virtuosismo de seus instrumentos e, no caso de Grazyna, sua voz, a gravações antológicas da composição gismontiana.

Rosemberg Cariry, 65 anos, é hoje o mais importante difusor da obra e vida de Aderaldo. Em 2012, ele lançou, no Cine Ceará, o documentário Cego Aderaldo, O Cantador e o Mito. Em 2017, o diretor de Corisco & Dadá lançou poderoso livro-álbum - Cego Aderaldo - O Homem, O Poeta e o Mito. Recheou, com vigorosa narrativa sobre os 89 anos de vida do artista nascido no Crato, alentadas 779 páginas. E, para enriquecer seu ensaio sobre a criação popular nordestina, o autor mobilizou monumental iconografia direta ou indiretamente ligada a Cego Aderaldo. Acervo de imagens de um cantador (e seu entorno) jamais reunido em um só volume. O álbum, editado pela Interarte, traz ainda CD com o longa documental que o cineasta dedicou ao popular conterrâneo.

Ao regressar, agora pela vereda ficcional, à vida do Cego Aderaldo, Rosemberg Cariry promete dar asas à imaginação. "Vou contar em A Lenda do Cego Cantador" - promete - "a história real e imaginária do poeta, cordelista, trovador, músico, projecionista de filmes, empresário, negociante, propagandista, dono de circo, violeiro-cantador-repentista Aderaldo Ferreira de Araújo". O roteirista não exagera. O cego exerceu todos estes ofícios. Desprovido da visão desde os 18 anos, mesmo assim dedicou-se à projeção de filmes e foi, inclusive, fonte inspiradora (e transfigurada) de um dos longas ficcionais de Cariry: Cine Tapuia (2008).
O cego do Crato teve infinitos e importantes pares e amigos, dispostos a tudo para perpetuar sua obra. A começar por Rachel de Queiroz (1910-2003), amiga sincera que o recebia em sua fazenda Não Me Deixes, no Quixadá.

Em uma das crônicas que dedicou ao conterrâneo em sua importante coluna na revista O Cruzeiro (outubro de 1959), a autora de O Quinze registrou: "Ele é a voz cantadeira de toda uma gente que não tem outra forma de expressão própria, que não lê nem escreve e, na sua necessidade de poesia e comunicação, fala e se entende pela boca do cantador. Ele é o lírico, o épico, o noticioso, o cômico".
Cariry será obrigado a resumir a acidentada e longa saga do Cego Aderaldo em sua "narrativa ficcional e lendária". Para materializar em imagens "o desejo de revelar também o mito e a narrativa romanceada", poderá abrir o filme com o doloroso momento em que o jovem perdeu a visão frente à caldeira de uma fábrica, na qual era trabalhador (mal) assalariado.

Ou será que escolherá a tragédia da perda da mãe, aquela que cuidava do filho cego, em momento em que a pobreza da família era humilhante? Tão humilhante, que para conseguir mortalha para embalar o corpo materno, Aderaldo dirigiu-se a local onde paroaras (cearenses que iam trabalhar nas seringas da Amazônia e conseguiam acumular dinheiro) se divertiam. Mesmo com o coração mortificado, se dispôs a tocar sua viola e cantar em troca de tostões que lhe permitissem "amortalhar a mãe".
Se preferir momento menos sofrido, Cariry poderá abrir seu filme com as festivas chegadas do Cego Aderaldo à fazenda Não Me Deixes. Rachel de Queiroz relembrou, também em crônica, o que acontecia com os trabalhadores quando o Cego aparecia por lá: "Os homens largavam a enxada nos roçados, as mulheres deixavam o milho no pilão, esquecendo o pão e a hora da janta. (...) E quando se deu fé, o terreiro e o alpendre estavam cheios de gente, e Aderaldo, sentado na cadeira de lona, dava a sua grande risada e contava causos e desfiava motes e depois pegava no grande violão e cantava e rememorava desafios, e fazia, como é de praxe, a louvação dos presentes".
Respaldado pelas pesquisas que alimentaram seu longa documental, Rosemberg garante "dramaturgia que beberá nas fontes da oralidade", ao mesmo tempo em que "retomará uma estética mais ousada, elaborada a partir das manifestações dramáticas populares".

Se conseguir transformar seu roteiro em realidade (apesar das dificuldades impostas por tempos de crise econômica e governo avesso à produção cultural), o realizador cearense promete "um drama figural do sertão, com estrutura de musical popular, alegórico e transbarroco".
Cariry já visualiza "sequências e cenas compostas ao modo do romanceiro do cordel", tendo como "fio condutor da história, o grande amor de Aderaldo por Angelina, um amor trágico e irrealizado, que lhe marcará, para sempre, a vida, a poesia e a morte".
Angelina Coelho de Moraes, há que se esclarecer, foi o amor de juventude de Aderaldo. Mas ao vê-lo cego, a moça desistiu do casamento. Casou-se com outro. O Cego morreu solteiro e alimentou-se, pelos muitos anos que viriam, daquele amor de juventude.
Rosemberg Cariry prevê, em seu drama figural, o registro das principais criações ("cantorias") do Cego Aderaldo, interpretadas por grandes nomes da viola contemporânea do Nordeste.
É mais que natural que Rosemberg Cariry, assim como Rachel de Queiroz, ame as cantorias de Cego Aderaldo. Afinal, na qualidade de conterrâneos do artista, ambos tiveram proximidade com seus versos e seu original toque de viola (rabeca, ou bandolim). Mas o que levou dois fluminenses como Baden Powell (1937-2000) e Egberto Gismonti, a se interessarem pelo cantador nordestino a ponto de imortalizá-lo em composições que Zuza Homem de Melo e Tárik de Souza (ver Ponto de Vista) consideram verdadeiras obras-primas?
Tudo indica que Baden Powell conheceu a arte do Cego Aderaldo graças ao antológico Show Opinião, que estreou em Copacabana, em dezembro de 1964. O espetáculo, dirigido por Augusto Boal, uniu Nara Leão, Zé Ketti e João de Vale, e transformou-se em espécie de "missa leiga".
Perplexa com o triunfo do golpe militar de 1964, a esquerda dedicada à criação artística resolveu produzir espetáculo capaz de somar música e protesto político, mas sem perder o humor. Entre os momentos mais divertidos do Show Opinião está o que evoca peleja entre o Cego Aderaldo e Zé Pretinho, materializada em mais de 370 versos (exatas 63 sextilhas rimadas). Nara, cautelosa, enfrenta o trava-língua "Quem a paca cara compra/ cara a paca pagará", com variações ("Quem a cara cara compra/ Caca cara Cacará"). Estes versos fazem parte da Peleja de Cego Aderaldo com Zé Pretinho do Tucum (este debocha da cegueira de Aderaldo, que responde com impropérios sobre a negritude do contendor, mais politicamente incorreto, impossível). O público que, todas as noites, lotava o Teatro Opinião, ria satisfeito da trinca Nara-Zé-João evocando o cantador cearense.

Como Baden participou de shows do Grupo Opinião (e deve ter ouvido infinitas vezes o elepê que resultou do espetáculo, em 1965), era natural que conhecesse e admirasse a obra do Cego Aderaldo. Além do mais, graças ao apoio de políticos e, em especial do poderoso paraibano Assis Chateaubriand e de seu império radiofônico e televisivo, o Cego teve viagens patrocinadas ao sudeste brasileiro. Viajou a São Paulo e/ou Rio por cinco vezes.

Baden compôs Cego Aderaldo, umas mais sublimes faixas de seu clássico 27 Horas de Estúdio em 1969. A composição de mesmo nome (Cego Aderaldo), do multi-instrumentista Egberto Gismonti, foi criada em 1981. O artista do Carmo era, naquele momento, um astro internacional, festejado por artistas da Índia, Polônia, Itália, Alemanha, França, Noruega, etc.

Numa tarde de domingo, em março deste ano, conversamos, por telefone, com Gismonti. O virtuose do violão confessou ter poucas lembranças da origem de Cego Aderaldo, uma de suas "800 composições". Gismonti não deu o relevo merecido à sua composição, gravada por muitos e grandes artistas, incluindo Ravi Shankar e a voz aliciante da polonesa Grazyna Auguscik.

Por Maria do Rosário Caetano (pesquisadora e crítica de cinema)

QUADRÃO NATALINO

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POEMA DE NATAL
Arievaldo Vianna


Desejo neste NATAL
Paz, Justiça Social,
O amor vencendo o mal
E envolvendo o coração;
Desejo um NATAL DE LUZ
Menos NOEL, mais JESUS,
Que a Terra da Santa Cruz
Volte a ser uma NAÇÃO.

Quero o sorriso inocente
A gratidão envolvente
Saúde pra nossa gente
Mudança e renovação
Partindo dessa premissa
Quero um BRASIL de Justiça
Que os galos cantem na missa
Entoando essa canção.

Abaixo o capitalismo
Que nos empurra no abismo
Abaixo o vil consumismo
Eu quero é a tradição
Quero um presépio de luz
Com o menino Jesus
A bênção que nos conduz
Que o povo se torne irmão.

Sem ódio, sem preconceito,
Defendendo o que é direito
Procurando um novo jeito
Com amor, trabalho e pão,
Com toda simplicidade
Buscando com humildade
Uma NAÇÃO de verdade,
Sem ódio ou desunião.

ADEUS A MESTRE DILA

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Cordelista e xilógrafo Mestre Dila morre aos 82 anos em Caruaru


José Soares da Silva, mais conhecido como Mestre Dila, era patrimônio vivo de Pernambuco e um dos maiores nomes da xilogravura no estado. O artista morreu vítima de pneumonia.
Por G1 Caruaru



Mestre Dila — Foto: Divulgação/ Ricardo Moura

Morreu na noite da quarta-feira (18) o cordelista e xilógrafo José Soares da Silva, mais conhecido como Mestre Dila, em Caruaru, no Agreste. O artista de 82 anos era patrimônio vivo de Pernambuco e um dos maiores nomes da xilogravura no estado.

Mestre Dila estava internado há uma semana no Hospital Mestre Vitalino. A causa da morte do xilógrafo foi uma pneumonia. O artista viveu e trabalhou por muitos anos na Capital do Agreste e exerceu outras profissões como agricultor, gráfico e tipógrafo.

Dos 82 anos de vida, em 50 deles Mestre Dila se dedicou à xilogravura. Ele é um dos homenageados do desfile do Galo da Madrugada, no Recife, durante o Carnaval 2020. O artista deixa cinco filhos e 11 netos. O velório do Mestre será realizado no Cemitério Dom Bosco, em Caruaru, e o enterro está marcado para 16h.


Corpo de Mestre Dila é velado no Cemitério Dom Bosco, em Caruaru — Foto: Anderson Melo/TV Asa Branca

Por meio de nota, a prefeita de Caruaru, Raquel Lyra, lamentou a morte de Mestre Dila e contou que recebeu a notícia com "bastante tristeza" e agradeceu pelos mais de 50 anos dedicados à cultura caruaruense. "Somos gratos pela sua contribuição. Minha solidariedade a todos os amigos e familiares por esta grande perda", disse.

A Academia Caruaruense de Literatura de Cordel (ACLC) exaltou a figura do Mestre Dila, ressaltando que ele "foi um dos maiores xilogravuristas pernambucanos, deixando um legado inesquecível para a Cultura Popular Nordestina".

Sobre Mestre Dila

Agricultor, gráfico e tipógrafo foram as profissões exercidas por José Soares da Silva em Caruaru antes de se tornar o cordelista e xilógrafo Mestre Dila. Ele trabalhou com cordel e xilogravura durante 50 anos. Há nove, sofreu um acidente vascular cerebral.

Dila passou a ter dificuldades em realizar algumas atividades sozinho depois do AVC. Para ele, andar e falar tornaram-se ações difíceis de realizar. Mas, entre poucas palavras que conseguia pronunciar, ele revelou em entrevista ao G1: "Me orgulho de ter feito mais de 200 cordéis".

Na década de 50, Dila tinha uma gráfica na própria casa. No local, ele produzia os próprios cordéis e xilogravuras. "Na época em que meu pai trabalhava ativamente com cordéis, o cordel era o jornal 'da matutada'. Era por meio dele que as pessoas ficavam sabendo dos acontecimentos diários", lembra Valdez Soares. "Hoje temos a televisão e a internet como meio de comunicação, mas o cordel tem papel fundamental na nossa história e cultura", disse o representante comercial Valdez Soares, filho de Mestre Dila.



'O sonho de um romeiro com o padre Cícero Romão', de Mestre Dila — Foto: Joalline Nascimento/ G1

A obra mais vendida de Dila foi "O Sonho de um romeiro com o padre Cícero Romão", de acordo com o filho do artista. "Este cordel conta a história de um romeiro que estava viajando para o Juazeiro [do Norte] e adormeceu à sombra de uma árvore. No local, ele acabou sonhando com o padre Cícero profetizando os anos vindouros. A história foi toda do imaginário do meu pai", explicou Valdez.

Foi em Caruaru que Dila constituiu família. Morou no município por mais de 60 anos e foi casado por mais de 50 com Valdecila Soares, que morreu há três anos. O casal teve seis filhos, mas nenhum herdou o talento do pai. "Desenvolver esta arte foi um dom dele. O engraçado é que nenhum dos filhos herdou o talento da xilogravura. No cordel, sou o único que ainda tenta fazer alguma coisa. Mas nunca como ele", afirmou Valdez.

Patrimônio Vivo


Mestre Dila ganhou o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco em 2002. O filho dele, Valdez Soares, contou que o pai não gostava muito do título, nem de ser chamado de "mestre". "Ele sempre disse: 'Mestre, só Deus, meu filho'. Meu pai é um homem muito religioso", revelou. A Lei de Patrimônio Vivo reconhece o trabalho dos mestres, mestras e grupos do estado. A Lei prevê a concessão de bolsas vitalícias como incentivo pela realização e perpetuação das atividades artísticas.

FONTE: https://g1.globo.com/pe/caruaru-regiao/noticia/2019/12/19/cordelista-e-xilografo-mestre-dila-morre-aos-82-anos-em-caruaru.ghtml

TALENTO NORDESTINO:

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Aluno de escola pública leva ouro na Olimpíada de Língua Portuguesa com cordel


Professor e aluno durante premiação | Arquivo Pessoal

O dia-a-dia da pequena Bom Jesus, cidade distante cerca de 45 quilômetros de Natal (RN), foi a principal inspiração do poeta mirim Davi Lima, de 11 anos, para escrever o cordel que ganhou medalha de ouro na final da Olimpíada Brasileira de Língua Portuguesa, neste mês, em São Paulo.
O garoto foi o único representante potiguar a alcançar o ouro, entre todas as categorias. O tema central era o local de origem de cada participante. Ele foi uma das onze crianças que estudam na Escola Estadual Natália Fonseca. Davi foi o vencedor na instituição, no município, no estado e, por fim, chegou à semi-final e final, realizadas na região Sudeste.

O principal incentivador foi o professor João Soares Lopes, que falou da competição para os alunos e incentivou a participação deles.

Apesar do incentivo da escola, a participação da família também foi fundamental na formação do garoto. Desde os quatro anos de idade, Davi sobe aos palcos junto com o pai, o poeta Jadson Lima, para recitar poesia de cordel. A escrita veio depois, com seis ou sete anos, segundo ele mesmo conta. O jovem faz parte de um grupo de poetas mirins que quer preservar a cultura no interior do estado.

A poesia foi escrita no estilo "galope à beira-mar", que contém estrofe de dez versos de onze sílabas. Apesar da tradição familiar, que remete ainda a um tio-avô e ao seu bisavô, o menino garante que não faz poesia por obrigação. O pai, Jadson Lima, corrobora.

Nos dez de galope lá no meu lugar (Davi Lima)

Lá por detrás das árvores, vinha o sol
Iluminando a rua de minha casa
O astro esplendido quente feito brasa
Levantava no céu feito um farol
E o belo cantar de um rouxinol
Que eu acordei só pra escutar
E por alegria começou a cantar
Na caveira do boi ele fez o seu ninho
Comida trazia pro seu filhotinho
Nos dez de galope lá no meu lugar.

Vendo o sol nascer, botei uma veste
E tive a ideia de escrever em rima
E muito prazer eu sou Davi Lima
Sou de Bom Jesus, daqui do nordeste
Também sou poeta, Antônio é meu mestre
O poeta que sempre me faz inspirar
Com muita alegria eu vou retratar
O amor que tenho pelo meu sertão
E vou escrevendo com muita emoção
Meu lugar que amo, e sempre vou amar.

Perto de Natal, capital do estado
Se chama Bom Jesus, ô nome bonito
E por Frei Damião esse nome foi dito
De um povo ordeiro e bastante educado
Se fores pra lá ficarás encantado
Alegria nas rimas sempre irei botar
E na nossa feira comecei andar
Falei com os feirantes com grande harmonia
E vou caminhando com muita alegria
Essa que é a feira lá do meu lugar.

Saindo da feira eu fui lentamente
E para igreja agora estava indo
Olhei para mesma, alegre, sorrindo
E meus versos fluindo da alma, da mente
Com muito cansaço sentei no chão quente
Olhando a igreja comecei orar
Pedindo para Deus me abençoar
E sob o sol ardente segui minha jornada
Com Deus me guiando nessa caminhada
É a fé que me guia nesse meu lugar.

A água corria por baixo da ponte
E a brisa fria batia em meu rosto
De felicidade fiquei inteiro posto
Que de alegria aquilo era a fonte
Eu olhei atento para o horizonte
Vi que o sol estava pronto pra deitar
E na água fria eu fui me banhar
Olhei pro arrebol com concentração
Minha Bom Jesus é a inspiração
Deu fazer galope lá no meu lugar.


LIVROS PARA 2020

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Escritores(as) cearenses recomendam obras com lançamento marcado para 2020

Por Diego Barbosa | Verso DN
Entre os livros, constam narrativas políticas, de realismo fantástico, com foco em mulheres e no formato de cordel


Marco Severo, Vanessa Passos, Julie Oliveira e Arievaldo Viana listam pluralidade de títulos

Mais um ano se avizinha e, com ele, múltiplas oportunidades de imersão na literatura. De maneira a fomentar outros mergulhos em 2020, os escritores Marco Severo, Vanessa Passos, Julie Oliveira e Arievaldo Viana recomendam, a convite do Verso, obras que ainda serão lançadas, abarcando títulos que contemplam desde narrativas envolvendo mulheres até realismo fantástico e cordel.
Trata-se de uma forma de estar sintonizado aos novos olhares sobre o setor alimentados em 2019. Numa breve síntese, o ano que se encerra representou dedicação ao ramo, especialmente considerando o contexto cearense, a partir da realização da XIII Bienal Internacional do Livro do Estado.
Repleto de encontros e presenças marcantes, o evento abraçou novas perspectivas de consumo e abordagens literárias a partir de um panorama mais encorpado de ideias e autores(as), com especial destaque para narrativas feitas por negros(as), pessoas da periferia, indígenas, e outros.
Por aqui, a frequência de lançamento de obras também se avolumou, bem como o alcance da atuação das bibliotecas comunitárias. Além disso, projetos como o Chá de Afetos, capitaneado pela Aliás Editora, puderam fomentar reuniões regadas a bastante união, nas quais histórias emergiram como motor para diálogos e bem-vindas trocas.
Por outro lado, a situação amargou para empreendimentos feito a Livraria Lamarca - um dos recantos mais interessantes e de maior resistência do cenário literário de Fortaleza - e as escolas de arte do Estado continuaram a tratar a área de forma bastante aquém do esperado, dificultando que novos e antigos autores(as) pudessem se lançar no mercado.

ABRANGÊNCIA
Num nível macro, as ações do Governo Federal foram pautadas pelo descaso - vide, por exemplo, a extinção do Ministério da Cultura - e pela censura (ainda é fresca na memória o recolhimento de livros com temática LGBTQI+ na Bienal do Rio), fazendo com que as perspectivas para o setor sejam totalmente desanimadoras.
Mas ainda há o que se comemorar. Mesmo num país com baixos índices de leitura, a estimativa de brasileiros que consomem livros passou de 50% para 56%, conforme a última edição da pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil", de 2016. Um novo levantamento deve ser feito no próximo ano, oportunidade para analisarmos avanços e deficiências.
Sendo assim, as listas de obras que você verá a seguir representam passos concretos em direção a uma mudança de panorama. Boas leituras!

Marco Severo (Foto: Isanelle Nascimento)


Romance novo de Valter Hugo Mãe (Porto Editora)
Um dos livros que mais aguardo para 2020 é o já anunciado novo romance de Valter Hugo Mãe, que deve sair em janeiro em Portugal e durante o ano aqui no Brasil. Embora o título ainda não tenha sido revelado, o autor já divulgou que este livro se passará no Brasil e terá como fundo temático os nossos índios. Sendo o autor que é, é de se esperar que Valter Hugo Mãe traga ao leitor mais uma obra atemporal e arrebatadora.

“Oração para desaparecer”, de Socorro Acioli (Companhia das Letras)
Socorro Acioli publicará em 2020 seu segundo romance voltado para o público adulto, o que por si só já é motivo de celebração. Ela abraçou o realismo mágico na literatura brasileira em pleno século XXI, fazendo com que o leitor possa experimentar uma nuance literária que foi tão especial para os escritos latino-americanos entre os anos 60 e 80, revitalizada através da narrativa encantatória que Socorro tem. Seguramente é um dos livros para se prestar atenção em 2020.

“Meninos & outros demônios”, de Pedro Salgueiro (Editora Moinhos)
Pedro Salgueiro é um dos nomes mais importantes da literatura feita no Ceará e o seu livro de contos que acaba de ser lançado (e que terá evento de lançamento em 2020) é uma pequena joia a ser lida e apreciada. Este livro perpassa não apenas os caminhos da infância e do que significa crescer no interior, mas os caminhos dos adultos que nos tornamos, dialogando com aquilo que fomos e o que nos tornamos, o que só a boa literatura é capaz de fazer.

Vanessa Passos

“O silêncio daqueles que vencem as guerras”, de Marco Severo (Editora Moinhos)
Marco Severo está entre os destaques da literatura cearense com publicação em editora independente. Com muita maestria, passeia entre as narrativas curtas, conto e crônica. É contundente, denso e merece ser lido, tanto o novo livro, quanto os publicados anteriormente.

“Eu mesma, Também Eu Danço”, de Hannah Arendt (tradução de Daniel Arelli) (Relicário)
As reflexões de Hannah Arendt acerca da condição humana e da banalidade do mal trouxeram grandes contribuições para o pensamento moderno, tanto No âmbito social, quanto político. Aguardo com grande expectativa a publicação do livro Eu mesma, Também Eu Danço, de natureza literária, com os seus 71 poemas.

“Todas as Cartas – Clarice Lispector” (Rocco)
Sempre fui fã de Clarice Lispector, coleciono sua obra inteira. Ter acesso a um livro com a compilação de todas as suas cartas será um privilégio para os pesquisadores da obra e para todos aqueles que, assim como eu, também apreciam sua literatura. É uma oportunidade de se debruçar com mais afinco nas inter-relações de Clarice, nos temas e questões de sua importância.


Julie Oliveira (Foto: Patrick Lima)

“Obra Completa – João Cabral de Melo Neto” (Alfaguara)
Antes do famoso “Morte e Vida Severina” que figurou exaustivamente nos livros didáticos de minha época escolar, eu já havia sido fisgada pela “Pedra do Sono” e seu surrealismo, seu pulsar onírico. Ler a obra completa de João Cabral de Melo Neto é reconectar-se com nossas raízes sem limitar-nos o olhar, é entregar-se as possibilidades antitéticas da vida.

“Antologia Contos Inspirados em Orixás do Candomblé”, de Conceição Evaristo, Marcelino Freire, Fabiana Cozza, entre outros (organização: Marcelo Moutinho) (Editora Malê)
Em 2019 me tornei uma obcecada por antologias, talvez pelo fato de finalmente ter compreendido com profundidade a importância e a força da coletividade literária. Na Bienal do Ceará fui arrebatada pela presença física de Conceição Evaristo, e desde então, tudo que já havia lido dela e sobre ela saltaram do meu peito, como um pássaro a voar. Penso que, esta antologia é certamente uma dessas obras que nos suscita o olhar, não apenas pelo conhecimento valioso, mas pelo lugar de destaque, pela honraria a que são dignos os povos africanos.

“Livro sobre Feminismo e Literatura”, de Juliana de Albuquerque (Editora Âyiné)
Em minha determinação de ler mais mulheres, deparei-me com a jovem e genial Juliana de Albuquerque, que dentre outras coisas é colunista do jornal Folha de S. Paulo e doutoranda na University College Cork, na Irlanda. Desde então, além das leituras de suas colunas, estou atenta e interessadíssima em tudo que ela tem escrito, especialmente por sua escrita precisa que disseca temas que muito me interessam, estabelecendo links entre feminismo e filosofia, por exemplo. Suas reflexões sobre a atuação da mulher contemporânea, bem como, seu vasto olhar sob as contribuições de mulheres históricas, tornam os textos de Juliana sem dúvidas, leitura indispensável a todas as mulheres pesquisadoras e escritoras.


Arievaldo Viana

“Infância/ Ganhando meu pão/Minhas Universidades”, de Maksim Górki (tradução de Rubens Figueiredo (Companhia das Letras)
A Cosac Naify, que encerrou suas atividades editoriais em dezembro de 2015, depois de 20 anos no mercado editorial brasileiro, passou parte de seu catálogo para a Companhia das Letras, mas somente agora, em 2020, algumas dessas obras retornarão ao mercado. É o caso da trilogia de memórias do escritor russo Maksim Górki, que virou raridade no Mercado Livre e Estante Virtual, chegando a custar mais de R$ 800,00! Com a reedição da Companhia das Letras, certamente a teremos com preço mais acessível.

“Era uma vez… em cordel”, de Arievaldo Viana (Editora Globo)
Com um jeito genuinamente brasileiro de apresentar grandes contos e fábulas infantis, a coleção "Era uma vez... em cordel", da Editora Globo, ganha um novo título em 2020, que será o quarto da série. Bebendo na fonte dos Irmãos Grimm, associei-me mais uma vez ao ilustrador Jô Oliveira e pegamos um conto pouco divulgado, porém de grande poder narrativo: A Serpente Branca.
Os títulos anteriores são “A peleja de Chapeuzinho Vermelho com o Lobo Mau”, “O coelho e o jabuti” e “João Bocó e o Ganso de Ouro”, este último selecionado pelo MEC através do PNLD.

Biografia Euclides da Cunha, de Luís Cláudio Villafañe G. Santos (Todavia)
O escritor Euclides da Cunha, autor de “Os Sertões”, ganhará uma nova biografia em 2020. O diplomata Luís Cláudio Villafañe G. Santos, autor de um livro sobre a vida do barão do Rio Branco, pela Companhia das Letras, fechou um contrato com a Todavia para uma biografia do escritor. Segundo o autor, as novidades virão do arquivo do Ministério das Relações Exteriores. Em seu livro, Santos aborda a relação de Euclides com o Itamaraty e com o Barão, além de revisar a documentação já conhecida.

2020 NAS ASAS DO PAVÃO

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Renovei a pintura do PAVÃO 
Pra poder me livrar da BESTA-FERA

Foi um tempo de grandes provações
Este ano de DOIS MIL E DESENOVE
Eu espero que o tempo não renove
O cenário das cruéis desilusões
Foram tantas tragédias e senões,
Desse ano miserável e tão avaro
Que ao tempo apocalíptico eu comparo
E não digam que é apenas u’a quimera
Já soltaram a maldita BESTA-FERA.
O seu nome não direi, está bem claro!


Renovei as multicores do PAVÃO
Para alçar novos voos, em outro plano
Eu prefiro esse voo soberano
Que possui os mistérios do sertão
Lhes desejo, de todo coração
Que o ano vindouro seja bom
Com mudanças e cores noutro tom
Pois ninguém aguenta mais desgraça
Pois enquanto essa BESTA-FERA passa
Vou abrindo a cerveja... Liga o som.




O CORDEL NA OBRA DE SUASSUNA

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OS FOLHETOS QUE INSPIRARAM 
“O AUTO DA COMPADECIDA”

Arievaldo Vianna

Ariano Suassuna sempre admitiu que a principal fonte de inspiração de suas peças teatrais foi a cultura popular nordestina, em especial o nosso romanceiro, também chamado de Literatura de Cordel. O livro que o motivou a beber nessa fonte inesgotável foi “Violeiros do Norte”, do folclorista cearense Leonardo Mota, cuja primeira edição, de 1926, traz uma dedicatória ao pai do dramaturgo, o então governador da Paraíba João Suassuna.
Três dessas histórias estão contidas no livro de Leota: “O dinheiro – O testamento do cachorro”, de Leandro Gomes de Barros, publicado em 1909; “O cavalo que defecava dinheiro”, também de Leandro, “O Castigo da Soberba”, atribuído a Silvino Pirauá de Lima, mas que Leota recolheu da boca do cantador cearense Anselmo Vieira de Sousa (1867 – 1926). Leonardo Mota, após a transcrição do poema, informa que no Cancioneiro do Norte (Tip. Minerva, Fortaleza-CE, 1903), de Rodrigues de Carvalho, foi registrado um poema parecido com o título de “A Peleja da Alma”.
Além dos folhetos citados, convém acrescentar, é claro, o clássico “As proezas de João Grilo”, do pernambucano João Ferreira de Lima, que data do início da década de 1930, numa versão de apenas 8 páginas (intitulada “As palhaçadas de João Grilo”), ampliada posteriormente para 32 páginas pelo poeta Delarme Monteiro da Silva, a pedido do editor João Martins de Athayde.
Embora Mestre Ariano tenha se utilizado de muitos temas populares na elaboração de sua peça mais famosa, estes poemas são as fontes principais.

CONFIRA A NOVA ABERTURA DA MINI-SÉRIE:





CADERNO VERSO TRAZ LONGA MATÉRIA SOBRE A REPRISE DE “O AUTO DA COMPADECIDA”


Imagem da nova abertura, clique para ampliar.



Reportagem de Diego Barbosa

Eis alguns trechos e o link da matéria:

Série “O Auto da Compadecida” é reexibida, 
com forte influência também no Ceará



Reprise acontece 20 anos após a primeira exibição; trabalhos cearenses perpetuam o legado da aclamada produção audiovisual

Selton Mello e Matheus Nachtergaele ficaram marcados na memória do público por darem vida a Chicó e João Grilo

Não parece, mas já se passaram 20 anos desde a primeira exibição da série “O Auto da Compadecida”. De lá para cá, muita coisa no Brasil mudou, seja a configuração política ou a própria maneira de fazer audiovisual, donde a atração deriva.
Mas ainda é bem viva na memória nacional o carisma e humor indefectíveis de João Grilo e Chicó que, feito guias, vão nos conduzindo a uma trama de aventuras e causos no sertão nordestino regada a muitos regionalismos, saberes populares e farta gama de personagens e situações inesquecíveis.

Na pele de João Grilo, Matheus Natchtergaele afirma: 
“Me ensinou a ser feliz na tristeza"

Baseado na peça teatral homônima do poeta, dramaturgo e romancista paraibano Ariano Suassuna (1927-2014), o seriado logo caiu no gosto do público e ganhou uma versão inclusive para o cinema, com 100 minutos a menos do tempo total do programa.
A partir desta terça-feira (7), a audiência mergulha novamente no fabuloso enredo a partir da reexibição da série na TV Globo, após a novela “Amor de Mãe”. Os quatro episódios serão veiculados até sexta (10), totalmente remasterizados, com nova abertura e tendo a identidade visual do céu e inferno repaginadas por computação gráfica.
Em entrevista, Guel Arraes, que assina a direção e roteiro da produção, comenta o caráter singular de uma história que já nasceu clássica, a qual narra as vivências de dois nordestinos pobres que vivem enganando os habitantes de um pequeno vilarejo no sertão da Paraíba para sobreviver.
 “‘O Auto da Compadecida’ oferece beleza, alegria e dramaticidade atemporais. Sempre é tempo de revisitar o povo brasileiro, que é safo e sobrevive quase sem ajuda. Especialmente o nordestino que, apesar de todas as dificuldades, sabe se divertir e tem vocação para ser feliz”.




Filmados em Cabaceiras, no sertão da Paraíba, série e filme utilizaram elementos populares e sacros para contar aventuras

Matheus Nachtergaele que o diga. Intérprete do desnutrido João Grilo, malandro conhecido pela astúcia, ele enumera os aprendizados que reuniu com o personagem.

“Me ensinou a ser feliz na tristeza, a rir nas horas mais perigosas e desgraçadas da vida. Gosto das cenas com Selton Mello porque foi um encontro especial. Precisamos um do outro para que elas acontecessem como aconteceram. Mas me comovo também profundamente na hora do julgamento, em que a Compadecida livra o João Grilo do inferno”, confessa.
Selton, por sua vez, na pele do compulsivo e metido a galanteador Chicó, dimensiona que há uma carreira antes e depois do trabalho.


Na visão de Selton Mello, há uma carreira antes e depois de Chicó

“É o personagem mais popular da minha vida, e olha que já fiz muita novela, um formato que te deixa em evidência por meses”, situa, sublinhando ainda o que representa o retorno do programa.

(...)

CORDEL

A opinião sintoniza-se com a ótica de Arievaldo Viana – embora o cordelista tenha conhecido “O Auto da Compadecida” depois de se aprofundar na trajetória do paraibano Leandro Gomes de Barros (1865-1918), o qual foi biografado pelo cearense.

“Ele foi a principal referência na obra de Suassuna. Eu, que já conhecia os textos dos cordéis, enfeixados no livro ‘Violeiros do Norte’, de Leonardo Mota (1926), fiquei encantado com o modo como Ariano costurou o enredo, valendo-se das passagens mais engraçadas e marcantes dos folhetos para criar as ações e diálogos dos personagens”.


O Dinheiro - Capa de Marcelo Soares

Alguns versos de “O Dinheiro” – folheto escrito por Leandro, em 1909 – foram utilizados, inclusive, na fala de Padre João, vivido pelo ator Rogério Cardoso na série e cinema.


"― Mim quer enterrar cachorra!
Disse o vigário: ― Oh! Inglês!
Você pensa que isto aqui
É o país de vocês?
Disse o inglês: ― Oh! Cachorra
Gasta tudo desta vez

Ele antes de morrer
Um testamento aprontou
Só quatro contos de réis
Para o vigário deixou
Antes de o inglês findar
O vigário suspirou

― Coitado! ― disse o vigário,
De que morreu esse pobre?
Que animal inteligente!
Que sentimento mais nobre!
Antes de partir do mundo
Fez-me presente do cobre!"

(O Dinheiro, Leandro Gomes de Barros, 1909)


Ilustração de Jô Oliveira para o cordel “O cavalo que defecava dinheiro", de Leandro Gomes de Barros, cujos versos inspiraram Ariano Suassuna

Também partes de “O cavalo que defecava dinheiro” e “O Castigo da Soberba”, este último escrito por Silvino Pirauá de Lima, integraram o roteiro, assim como “As proezas de João Grilo”, do poeta pernambucano João Ferreira de Lima.
Arievaldo considera ainda que o cordel influenciou definitivamente na peça, a ponto de afirmar que, sem essa linguagem, a montagem não existiria ou não teria tido metade da aceitação que obteve por parte do público.




Autor da biografia de Leandro Gomes de Barros, Arievaldo Viana 
dimensiona alcance do Auto nas letras

“Os lances mais engraçados, como o testamento e enterro da cachorra, o animal que defecava moedas de ouro, a gaita mágica que ressuscita defuntos, e até mesmo a burla da bexiga cheia de sangue de galinha, estão nos folhetos de Leandro, que certamente baseou-se em contos populares, transmitidos oralmente geração após geração. Daí a empatia imediata que o público teve pela obra, ao reconhecer de imediato as velhas matrizes de narrativas que faziam parte de sua tradição oral”.


Cena do Gato que descomia dinheiro


LINK para o Caderno VERSO | DN:

CENTENÁRIO DO POETA

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A Editora ALFAGUARA anuncia o relançamento 

da Obra Completa de João Cabral de Melo Neto


O advento de seu Centenário de nascimento em 2020 fará com que João Cabral de Melo Neto, um dos poetas nordestinos de maior reconhecimento, ganhe uma edição completa de sua obra.  O legado do escritor pernambucano será celebrado em 2020 com livro de entrevistas, fotobiografia e coletâneas.
Nascido em Pernambuco, em 1920, a literatura de cordel ensejou os primeiros contatos de Cabral com as letras. Ainda menino, o escritor lia folhetos e romances para os trabalhadores do engenho do seu pai. Essa vivência com o cordel explica a escolha da redondilha maior (versos de sete sílabas) na elaboração de seu poema mais famoso:



TRECHO DE “VIDA E MORTE SEVERINA”

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;



João Cabral de Melo Neto (1920-1999) foi um poeta e diplomata brasileiro. Autor de Morte e Vida Severina, poema dramático que o consagrou. Tornou-se imortal da Academia Brasileira de Letras. Nasceu no Recife, Pernambuco, no dia 9 de janeiro de 1920.

Filho de Luís Antônio Cabral de Melo e de Carmem Carneiro Leão Cabral de Melo, João Cabral era irmão do historiador Evaldo Cabral de Melo e primo do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freyre. Passou sua infância entre os engenhos da família nas cidades de São Loureço da Mata e Moreno. Estudou no Colégio Marista, no Recife. Amante da leitura, lia tudo o que tinha acesso, no colégio e na casa da avó. Dentre suas leituras prediletas, os folhetos da LITERATURA DE CORDEL.

ENTREVISTA

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OS CORDÉIS QUE SUASSUNA UTILIZOU 

NO AUTO DA COMPADECIDA



No último dia 7 de janeiro o caderno VERSO, do Diário do Nordeste, publicou ampla matéria sobre a reprise da série O AUTO DA COMPADECIDA, direção de Guel Arraes, inspirado na obra do mestre Ariano Suassuna. Na ocasião, o repórter Diego Barbosa me entrevistou a respeito dos folhetos de Leandro Gomes de Barros e outros poetas que tiveram influência direta sobre a obra de Suassuna. Confiram a íntegra da entrevista:


1- De que forma uma das principais obras de Ariano Suassuna, “O Auto da Compadecida”, influenciou seu trabalho no posto de cordelista? Houve essa influência?
R – Posso dizer que foi o contrário. Conheci a obra de Leandro Gomes de Barros, a principal referência na obra de Suassuna, uns vinte anos antes de conhecer “O Auto da Compadecida”. Não achei a menor graça naquela adaptação dos “Trapalhões”, porém a do Guel Arraes, para a Rede Globo, foi formidável. Ele valorizou todos os aspectos da cultura popular nordestina, sobretudo da Literatura de Cordel. Eu que já conhecia os textos dos cordéis, enfeixados no livro “Violeiros do Norte”, de Leonardo Mota, publicado em 1926, fiquei encantado com o modo como Suassuna costurou o seu enredo, valendo-se das passagens mais engraçadas e marcantes dos folhetos para criar as ações e os diálogos de seus personagens. Essas estrofes de “O Dinheiro” (Leandro Gomes de Barros, 1909) são emblemáticas e alguns versos foram utilizados na fala do Padre João, personagem vivido pelo grande Rogério Cardoso:

Um inglês tinha um cachorro
De uma grande estimação
Morreu o dito cachorro
E o inglês disse então:
― Mim enterra esse cachorro
Inda que gaste um milhão

Foi ao vigário, lhe disse:
― Morreu cachorra de mim
E urubu do Brasil
Não poderá dar-lhe fim
― Cachorro deixou dinheiro?
Pergunta o Vigário assim...

― Mim quer enterrar cachorra!
Disse o vigário: ― Oh! Inglês!
Você pensa que isto aqui
É o país de vocês?
Disse o inglês: ― Oh! Cachorra
Gasta tudo desta vez

Ele antes de morrer
Um testamento aprontou
Só quatro contos de réis
Para o vigário deixou
Antes de o inglês findar
O vigário suspirou

― Coitado!― Disse o vigário,
De que morreu esse pobre?
Que animal inteligente!
Que sentimento tão nobre!
Antes de partir do mundo
Fez-me presente do cobre!



Leandro Gomes de Barros, por Jô Oliveira


2- Você escreveu a biografia do Leandro Gomes de Barros, que foi quem escreveu alguns cordéis que inspiram os episódios do Auto da Compadecida. Me explique melhor como aconteceu essa influência de Leandro sobre a escrita do clássico de Suassuna. De fato, houve essa conexão da escrita entre os dois? Que cordéis específicos foram esses?
R – Ariano tinha na figura do seu pai, João Suassuna, ex-governador da Paraíba assassinado após a Revolta de 1930, a sua maior referência. O livro “Violeiros do Norte”, de Leota, é de 1926 e traz uma dedicatória ao pai do dramaturgo paraibano. Pode-se dizer que este livro foi uma das leituras prediletas de Ariano desde a infância, pois fazia parte da biblioteca de seu pai. Na opinião de Bráulio Tavares, autor de ABC de Ariano Suassuna (José Olympio Editora, 2ª edição, p. 25) “a Literatura de Cordel, que Ariano conheceu ainda menino, em Taperoá-PB, viria a ser uma das fontes inspiradoras não apenas de sua obra literária, mas do próprio Movimento Armorial, sua intervenção mais consistente e deliberada na cultura brasileira.” Apesar da tragédia familiar causada pela morte de seu pai e as constantes mudanças que a viúva e os filhos foram forçados, a biblioteca de João Suassuna foi preservada por seu cunhado Manuel Dantas Vilar, tio materno de Ariano e aqueles livros, certamente, constituíam um tesouro na infância e adolescência do futuro escritor. Os folhetos divulgados por Leota e inclusos na trama d’O Auto da Compadecida são: “O Dinheiro” e “O cavalo que defecava dinheiro”, de Leandro Gomes de Barros e “O Castigo da Soberba”, de Silvino Pirauá de Lima. Além destes, podemos incluir também “As proezas de João Grilo”, do poeta pernambucano João Ferreira de Lima.

3- De forma geral, qual a relação do “Auto da Compadecida” com o cordel, de uma forma geral?
R – Sem exageros eu posso afirmar que sem o Cordel essa peça não existiria e, se existisse, não teria tido metade da aceitação que teve por parte do público. Os lances mais engraçados da obra, como o testamento e enterro da cachorra, o animal que defecava moedas de ouro, a gaita mágica que ressuscita defuntos e até mesmo a burla da bexiga cheia de sangue de galinha estão nos folhetos de Leandro, que certamente baseou-se em contos populares, transmitidos oralmente geração após geração. Daí a empatia imediata que o público teve pela obra, ao reconhecer de imediato as velhas matrizes de histórias que faziam parte de sua tradição oral. Convém lembrar que outras obras realizadas a partir do romanceiro popular nordestino também obtiveram grande sucesso. Nessa lista eu incluiria os filmes “O homem que virou suco” (filme brasileiro de 1981 dirigido por João Batista de Andrade e estrelado pelo ator José Dumont)  e “O homem que desafiou o diabo” (filme de 2007, dirigido por Moacyr Góes, baseado na obra As Pelejas de Ojuarado escritor potiguar Nei Leandro de Castro). Citaria também as novelas “Saramandaia”, de 1976, que tinha em sua trilha a canção Pavão Mysteriozo, do cearense Ednardo e outra mais recente, intitulada “Cordel do Fogo Encantado”. O cordel também tem feito muito sucesso nas adaptações para teatro. Em 2006 o “Grupontapé de Teatro”, de Uberlândia-MG, dirigido por Fernando Limoeiro, ganhou um prêmio da Funarte com a adaptação de um dos meus folhetos, “O batizado do gato”, que escrevi e publiquei em 2000 e hoje se encontra na oitava edição.

4- Por que, em sua visão, a série “O Auto da Compadecida” marcou tanto e como você acha que o público a receberá hoje?
R – O Auto da Compadecida é uma das obras-primas da dramaturgia brasileira e a adaptação que Guel Arraes fez para a televisão e o cinema conseguiu reunir um dos melhores elencos da dramaturgia brasileira. Não é todo filme que consegue reunir, numa só tacada, atores como Fernanda Montenegro, Lima Duarte, Rogério Cardoso, Diogo Vilela, Marco Nanini, Matheus Nashtergaele e Selton Melo num mesmo time, numa produção tão bem cuidada, com cenários tão ricos e trilha sonora tão adequada. Tudo ali é perfeito, ao contrário da adaptação de “A Pedra do Reino”, por Luís Fernando Carvalho, que acabou se tornando, a meu ver, um grande equívoco. Apesar do esforço do diretor e da superprodução, o resultado soou meio hermético, incompreensível para o grande público. Eu, particularmente, gostei bastante, sobretudo pelo lado burlesco e grandiloquente, mas o público comum não está habituado a esse tipo de produção. Na minha opinião, essa versão de O Auto da Compadecida é como as comédias de Charlie Chaplin. É atemporal.


5- Qual legado o programa deixa para a cultura brasileira tendo em vista o reconhecimento dado à regionalidade nordestina?
R – Acho que o cinema brasileiro teria dado largas passadas se tivesse seguido essa fórmula tão bem engendrada pela produção de “O Auto da Compadecida”. Na esteira de seu sucesso, tivemos, pelo menos, dois filmes interessantes: “Lisbela e o Prisioneiro” e o já mencionado “O homem que desafiou o diabo”. Conversando outro dia com o cineasta Rosemberg Cariry ele me confidenciou que seu maior sonho é fazer uma adaptação do Romance do Pavão Misterioso com todos os efeitos especiais que a tecnologia permite hoje em dia. Outro texto formidável, na mesma linha do João Grilo, é A vida de Cancão de Fogo e seu Testamento, de Leandro Gomes de Barros. Outra obra do poeta paraibano que tem todos os elementos adequados para um bom filme é O Cachorro dos Mortos, uma história de suspense, na linha de Edgar Allan Poe, onde três irmãos são mortos barbaramente tendo por única testemunha um cachorro, que consegue escapar a fúria do assassino e acaba sendo a principal testemunha do crime. O grande problema, a meu ver, é que sempre que o cinema e a TV querem utilizar o cordel como fonte de inspiração, não interagem com o devido respeito, não fazem da mesma maneira de quando se trata de uma obra “erudita”. Para eles, todo cordel é coisa de “DOMÍNIO PÚBLICO”, algo sem um criador definido. É preciso ter mais respeito pela chamada CULTURA POPULAR. Se você reparar bem, nem no livro de Suassuna, nem nas adaptações feitas para o cinema e a televisão, aparece o nome de LEANDRO GOMES DE BARROS, o verdadeiro criador dos folhetos e maior responsável pela popularização dessas histórias.

Entrevista concedida à DIEGO BARBOSA - Repórter do Sistema Verdes Mares | Caderno Verso - Diário do Nordeste

HISTÓRIA EXTRAORDINÁRIA

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O Super-Homem de Quixeramobim

No distante ano de 1921 foi publicado um interessante opúsculo intitulado Curiosidades eFactos Notáveis do Ceará (128 páginas numeradas), da autoria do  Professor José Gonçalves Dias Sobreira, editado no Rio de Janeiro pela Typographia Desembargador Lima Drummond. Seu autor foi um professor primário e telegrafista, nascido no Crato, que cursou o seminário da Prainha, em Fortaleza, até a altura dos estudos teológicos.

É autor de várias obras didáticas, inclusive de uma Simplificação da Grammatica Portugueza, de 1885, aprovada pela Secretaria da Instrução Pública do Ceará e de uma Geographia Especial do Ceará, adotadas para servirem de compêndio pelas escolas do Estado. Nesse livreto de 1921 encontra-se essa história impressionante (páginas 15 a 19), a respeito de um homem que tinha uma força descomunal e quebrava metais com os dentes. Quando menino ouvi referências a essa história, nas conversas narradas por meu avô Mané Lima... Vejamos:


FORÇA PRODIGIOSA

Na comarca de Quixeramobim vivia uma família meio abastada, cujo chefe chamava-se Borges Gomes, casado e tendo três filhos varões.
Uma noite o velho chamou os seus dois filhos mais velhos e ordenou que, no dia seguinte, pela manhã, levassem uma junta de bois a um certo lugar e de lá trouxessem um pau, afim de fazer d'ele um coxo para a casa de farinha.
Com efeito, pela manhã, os dois rapazes pegaram os bois, meteram-nos em um carretão e seguiram para o lugar indicado. Lá estava o tronco, tão grosso e pesado que os bois não o puderam arrastar. Depois de empregarem todos os esforços, desligaram-no do carretão e voltaram sem o levar, dizendo que os bois não puderam com ele.
O filho mais moço, que se achava presente, na ocasião, disse:
Deixem que eu vou buscar o pau. E saiu.
Todos tomaram aquele dito por mera brincadeira.
Mas, qual não foi o assombro e pasmo de todos, quando, algumas horas depois, voltava Bernardo  (assim chamava-se ele) com o pau ao ombro e o lançara ao terreiro da casa, dizendo:
Está aqui o pau.
Todos acorreram a ver o que se passava, exclamando:
Isto é arte do diabo! Não é possível que um menino tenha mais força do que dois bois!
É o diabo!
Gritavam todos! É o diabo!
O velho, tomado de terror, disse com voz espavorida:
Ponha-se fora de minha casa! Eu não quero o diabo aqui!
O pobre mocinho sem culpa, mas obediente, saiu sem destino. Corria o ano de 1872. Algum tempo depois chegou ele a Fortaleza e uma vez ali, divertia-se em praticar algumas proezas admiráveis, que lhe mereceram a alcunha de mandingueiro ou feiticeiro.
Partia ele com os dentes uma moeda de cobre, tirando dela quantos pedaços quisesse. Um dia dirigiu-se ele à loja do Sr. Antônio Gonçalves da Justa e perguntou se tinha machados “Califórnia”.
Eram uns machados americanos, conhecidos por este nome, cujo aço era tão polido que podia servir de espelho. O caixeiro afirmou que sim.
O moço disse: Quero ver e quero bom.
O caixeiro apresentando-lhe o machado, respondeu-lhe o freguês:
Ah! Este não presta: é de cera.
Disse o caixeiro:
Qual de cera! Você não encontra melhores.
O sertanejo continuando a afirmar que era de cera, interviu o patrão e disse que o machado era verdadeiro Califórnia, não existiam melhores.
Afirmo que este machado é de cera; e, si o senhor duvida eu tiro um pedaço com os dentes.
Tire lá, disse o patrão.
O nosso desconhecido, levou o machado á boca e arrancou dele um grande pedaço, deixando-o inutilizado e o patrão e caixeiro pasmados pelo que acabavam de presenciar!
O rapaz saiu deixando-os atônitos, a se olharem sem dizer uma palavra!
O nosso mandingueiro vagou algum tempo pela capital e seus arredores e desapareceu.
Passaram-se os anos, quando manifestou-se a grande e terrível seca de 1877 a 1879. Começa a capital a encher-se de emigrantes famintos e o nosso Bernardo fazendo parte deles, a exibir as suas mandingas, que o povo as tinha como sendo arte do maldito! Arte diabólica!
Já para o fim da seca, o governo que fornecia gêneros em abundancia, começou a escassear; e, para diminuir a população de emigrantes na capital, o Presidente os mandou acampar em Parangaba, oito quilômetros distante dali. Lá estavam eles debaixo do cajueiral, abrigados por palhoças de ramos das arvores.
Uma tarde ouviu-se o apito da locomotiva, que ia da capital.
O povo, na esperança que o trem conduzisse gêneros, acorreu para a estação.
Chegou o trem e nada levou.
Este facto desagradou os emigrantes; e o nosso mandingueiro, que se achava entre eles, disse, referindo-se ao trem:
Pois este diabo não sai daqui, que eu não quero; e aproximou-se da traseira do ultimo vagão.
Alguns minutos depois, a sineta deu sinal de partida. A locomotiva apitou, dando assim o ultimo sinal. Os emigrantes, que esperavam um fiasco da parte do Bernardo, ficaram atentos ao lado do mandingueiro.
Ao terminar o segundo apito, o maquinista deu movimento e as rodas entraram a mover-se, mas como um motor fixo!
Isto causou grande surpresa em todos: ao maquinista, passageiros e aos circunstantes. Parado o movimento estático da locomotiva, todos deixaram seus lugares, ansiosos por saber a causa.
Tudo examinado, nada encontrou de anormal o maquinista. Segunda tentativa, o mesmo fenômeno reproduziu-se. Os emigrantes, vendo que o trem não andava, disseram:
Bernardo, deixa o trem ir embora!
Bem, respondeu ele: Vai-te, diabo!
E, soltando a traseira do último vagão, que ele segurava com uma das mãos, o trem deslizou sobre os trilhos e desapareceu na linha, no meio de uma quantidade, sem conta, de palmas e gritarias dos emigrantes!!
E diziam:
É danado mesmo o diabo deste mandingueiro!!
Nunca pensei que ele fizesse isto! Dizia outro.
Esse excepcional sertanejo, dotado, pela natureza, de um dom tão prodigioso e extraordinário, nunca se utilizou dele, em proveito próprio, senão para se divertir e atrair sobre si o mau pensar dos ignorantes, supondo ser arte diabólica aquele dom natural, do qual nunca se aproveitou, podendo ter-se locupletado e enriquecido!
Morreu pobre e miserável, levando para a sepultura somente a alcunha de mandingueiro, que o povo lhe dera.

"E digam os sábios da Escritura,
Que segredos são esses da Natura".

In SOBREIRA, J. G. Dias. Curiosidades e factos notáveis do Ceará. Rio de Janeiro: Tipografia Desembargador Lima Drummond, 1921.

"POMBA", TERMO CENSURADO

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PORQUE O CEARENSE DEU O NOME DE “AVOANTE” À POMBA DE BANDO

Esta semana caiu-me às mãos um exemplar de um livreto assaz curioso, publicado em 1921, intitulado Curiosidades eFactos Notáveis do Ceará (128 páginas), da autoria do professor João Gonçalves Dias Sobreira, editado no Rio de Janeiro pela Typ. Desembargador Lima Drummond. Seu autor foi um professor primário e telegrafista*, nascido no Crato, em setembro de 1847, que cursou o seminário da Prainha, em Fortaleza, até a altura dos estudos teológicos.

É autor de várias obras didáticas, inclusive de uma Simplificação da Grammatica Portugueza, de 1885, aprovada pela Secretaria da Instrução Pública do Ceará e de uma Geographia Especial do Ceará, adotadas para servirem de compêndio pelas escolas do Estado.

Nesse opúsculo de 1921 encontra-se uma curiosa explicação para o termo “avoante”, nome pelo qual os cearenses e nordestinos em geral conhecem a pomba de bando (Zenaida aureculata), ave de arribação oriunda do continente africano.

Segundo o professor J. G. Dias Sobreira, a Câmara Municipal de Quixeramobim, famosa por haver deposto o Imperador D. Pedro I e deflagrado a Confederação do Equador no distante ano de 1824, na grande seca de 1845 resolveu censurar o nome “pomba”, certamente por excesso de pudor, já que aqui no Nordeste é um dos muitos sinônimos pelo qual se conhece o órgão sexual masculino. Eis o que diz o texto do escritor cratense:

“Na grande seca de 1845, a Câmara Municipal de Quixeramobim, vendo o nome d'essas aves não lhe soava bem, entendeu de reunir-se em sessão especial, e determinou, sob pena de prisão, que d'ali em diante fossem chamadas “avoantes”, nome pelo qual são elas hoje conhecidas, em todo Ceará.” [p. 24]


* NOTA - Segundo o Barão de Studart (Diccionário Bio-bibliográfico Cearense) foi professor do Liceu do Ceará. Em 1893, desgostoso com o magistério, transferiu-se para o Rio de Janeiro, então capital da República, onde prestou concurso e exerceu o ofício de telegrafista.

Recordei-me, então, de um texto que publiquei em junho de 2011 no meu blog “Acorda Cordel”, que bateu record de visitas e comentários, sendo ainda hoje um dos mais visitados. Ei-lo na íntegra, tal e qual foi postado em 21/06/2011:




AVES DE ARRIBAÇÃO

Hoje pela manhã, fazendo o trajeto Fortaleza – Caridade, vi pela janela do ônibus milhares e milhares de avoantes (cujo nome cientifico é Zenaida Auriculata) em migração. O espetáculo é belíssimo e impressiona pela solidariedade de alguns grupos que parecem voar em círculos esperando os retardatários.

Os caçadores, pressentido a sua chegada, que acontece no final da quadra invernosa nordestina entram imediatamente em ação abatendo-as sem piedade e, o que é pior, destruindo os pombais onde as mesmas depositam seus ovos.

Na Revista Brasileira de Zoologia, Vol. 3. Número 7, Curitiba, 1986, encontramos essa informação sobre a presença dessas aves na Caatinga Nordestina:

“Na região da caatinga brasileira, a avoante é novamente encontrada em grandes números, referindo-se a ela vários cronistas do século passado e início deste como um auxílio divino às populações humanas carentes, sempre nidificando no solo em colônias. Somente em meados desse século aparecem os primeiros relatos científicos sobre sua nidificação no solo de caatinga (Ihering, 1935). O primeiro autor a se preocupar mais profundamente com o assunto foi Álvaro Aguirre, produzindo vasta bibliografia sobre as colônias de reprodução e hábitos alimentares. Seu trabalho mais completo foi publicado em 1976, dissecando os conhecimentos existentes sobre a biologia, ecologia e utilização desse recurso natural renovável pelo nordestino (Aguirre, 1976).
Todos esses autores referem-se à população nordestina de Zenaida aureculata como a única a nidificar colonialmente no chão, considerada característica peculiar à subespécie da região (Z. a. noronha). Fora do Nordeste, há notas sobre ninhos isolados no solo no Estado de São Paulo (Aguirre, 1972) e em pequenas colônias no Equador (Marchant in Goodwin, 1970)
Desde 1979, o problema do abate ilegal de avoantes na região Nordeste vem preocupando de perto o Departamento de Parques Nacional do IBDF. A partir daquele ano tem início uma série de trabalhos de campo melhor compreensão do fenômeno e para a conservação desse recurso natural renovável, sobre-explorado e colocado em risco de extinção pela exploração irracional para comércio da carne de avoante salgada. A partir de 1982, o trabalho, que visa principalmente compreender, através de anilhamento, os movimentos da espécie na região conta com o apoio do CNPq.”

Como já foi dito, a avoante é uma ave de imigração que aparece em determinada época do ano no sertão nordestino. A avoante chega na quadra de fins d’água, em bandos, nas caatingas, passando nos lugares onde encontra o capim-milhã, que é a alimentação que prefere. Os caçadores, apesar da forte vigilância do IBAMA, entram em ação e abatem uma quantidade enorme, que são vendidas nas feiras. É um massacre injustificado que ameaça a preservação dessa espécie. O que mais impressiona é a crueldade dos caçadores que, não satisfeitos em abater milhares de aves, ainda se comprazem em pisotear os ninhos (feitos geralmente no chão) pelo simples prazer de destruir os ovos. No nordeste brasileiro a pomba-avoante (“avoante”) parece ter o seu padrão de migração em função ao regime de precipitação pluviométrica. 


* * *
Aproveito o ensejo para publicar também, na íntegra, o texto de J.G. Dias Sobreira, publicado em “Curiosidades e Factos Notáveis do Ceará” (páginas 22 a 24). Nesse trabalho ele descreve minuciosamente o processo de captura e abate das aves, tal e qual meu avô me contava nos primórdios da minha infância.


AVES DE ARRIBAÇÃO

Um fenômeno, que se manifesta, nas grandes secas, é o número prodigioso de aves de arribação. Nos anos comuns, ninguém dá noticia d'essas aves. Não se sabe de onde procedem; o certo é que elas se aglomeram em tamanhos bandos, que ao passarem voando, não se enxerga o ar do lado oposto, que elas atravessam! Estando pousadas e espantando-se, voam todas a um só tempo, produzindo um forte ruído ou estrondo, como de um trovão longínquo.

Alguns meses, depois do seu aparecimento, chega o tempo da postura. Então afluem todas para um ponto da mata e a esta reunião dão-lhe o nome de pombal. Cada uma põe somente dois ovos, mas a quantidade delas é tamanha que, uma semana depois, juntam-se cargas e mais cargas de ovos, que elas põem a granel, espalhados em toda a extensão ocupada pelo pombal! Juntam-nos e os cozinham duros para não se machucarem e os levam aos mercados. É alimento saborosíssimo e tem o gosto do ovo de galinha.

Só vendo-se (parece fábula) a reunião daquela multidão sem conta, e apesar da destruição, por todos os meios, elas reproduzem-se consideravelmente, nesses pombais! Havendo secado as aguas, elas procuram onde beber, e só a podem encontrar em algum açude. Para lá dirige-se toda aquela imensa quantidade de pombas sequiosas, a beber com grande avidez.

Os moradores julgam-se, então, com a vida ganha; porque não lhes faltará, tão cedo, carne nem dinheiro. Armam barracas ou esperas de ramos bem tapadas, dispondo uma travessa encostada n'agua, sobre a qual as incautas e sequiosas pombas vão pousar afim de saciar a sede. Pousam ali aos montões, aos milhões! Introduzem n'agua o bico até acima dos olhos; tal é o afã, a ansiedade com que elas pousam para beber!

Aquela turba multa não se apercebe que as suas companheiras estão desaparecendo, logo após! O homem, que está escondido na espera ou barraca, metido n'agua, que as pombas vão beber, vai puxando-as pelo bico e estrangulando-as, em tamanha quantidade, que, em um quarto de hora, já tem juntas mais de um milheiro!

Quando julgam já ser bastante, saem do esconderijo e vão prepara-las para o seu sustento e da família; mas, como sobra, em demasia, depois de salgadas, expõem-nas ao secar ao sol. Depois de bem enxutas, levam-nas em cargas e mais cargas aos mercados para vende-las. Negociantes ha que as compram em tanta quantidade, ao ponto de encherem armazéns até ao teto. É o refrigério da pobreza, é o maná, que Deus envia para sustento d'aquela onda sem conta de flagelados, que a grande seca os reduziu à miséria!

Na grande seca de 1845, a Câmara Municipal de Quixeramobim, vendo o nome d'essas aves não lhe soava bem, entendeu de reunir-se em sessão especial, e determinou, sob pena de prisão, que d'ali em diante fossem chamadas “avoantes”, nome pelo qual são elas hoje conhecidas, em todo Ceará. 

(Curiosidades e Factos Notáveis do Ceará, págs. 22 a 24)


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