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O Trovador João Melchíades

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A SAGA AVENTUROSA 

DO CANTOR DA BORBOREMA

Arievaldo Viana*


Ilustração: Jô Oliveira

No dia 7 de setembro de 1869, nascia mais um patriota no município de Bananeiras-PB: o menino João Melchíades Ferreira da Silva, que se auto-intitularia, no futuro, O Cantor da Borborema. No folheto "Os homens da cordilheira" (há um exemplar catalogado nos Fundos Villa Lobos, organizado por Mário de Andrade), João Melchíades diz que seu avô materno, o beato Antônio Simão, construiu uma igreja na serra, a pedido do padre Ibiapina. Ele teria fundado também uma escola para educar crianças, onde o próprio Melchíades aprendeu as primeiras letras. No terrível triênio de seca que foi de 1877a 1879, já órfão de pai e criado sob a tutela desse avô, o menino João Melchíades foi raptado por um grupo de ciganos. Dizem que ele teria se encantado pela música e resolveu acompanhá-los. Sua mãe só foi resgatá-lo de volta cerca de dois anos depois.
De espírito inquieto e aventureiro, sua sina era correr o mundo. Aos 18 anos sentou praça no exército, ainda na Monarquia. Em 1897 João Melchíades, integrante do 27º Batalhão de Infantaria das Forças Armadas, foi convocado para combater na Guerra de Canudos, onde quase perdeu a vida. Após a guerra, foi promovido a Sargento-Mor. Lembranças familiares, recolhidas num velho manuscrito por sua neta Lela Melchíades, a partir dos relatos de sua avó Senhorinha, informam que ele voltou traumatizado da Guerra e não gostava de tocar no assunto. Ficou muito chocado ao ver os cadáveres de mães carbonizados e abraçadas aos filhinhos, naquilo que Euclides da Cunha batizou de "a nossa Vendeia" ou "Troia sertaneja". Ele participou ativamente da tomada das trincheiras às margens do rio Cocorobó, uma das refregas mais sangrentas daquela luta fratricida.
Informa a pesquisadora Ruth Brito Lêmos Terra que a atividade poética de Melchíades é anterior a 1898. Ela baseia-se no poema "Melchíades escreve a Cícero de Brito Galvão, no Rio de Janeiro, sobre a açudagem do Seridó", onde o poeta faz referência a um açude de propriedade do cangaceiro Silvino Ayres, mentor de Antônio Silvino. O ano de 1898 foi o mesmo em Silvino foi preso e, por conta disso, sucedido por seu êmulo no comando do cangaço.
Em 1903, João Melchíades foi designado para combater na fronteira do Acre com a Bolívia, onde contraiu a febre béri-béri, que quase o vitimou. Nesse período, o poeta andava na companhia do cantador Joaquim Jaqueira e chegou a fazer apresentações em Manaus e em Belém do Pará, ao som da viola. No ano seguinte, segundo apurou o pesquisador baiano José Calasans, Melchíades resolveu publicar, em cordel, suas memórias sobre Canudos. É possível que tenha sido escrito ainda no século XIX, após o término da guerra. Sua visão é alinhada com a propaganda difamatória que se fazia contra o beato Antônio Conselheiro, por meio de libelos divulgados na imprensa, sob a orientação do Ministério da Guerra. Mas nem por isso ele deixa de reconhecer a bravura dos conselheiristas em estrofes antológicas como esta: "Escapa, escapa, soldado/ Quem tiver perna que corra/ Quem quiser ficar que fique/ Quem quiser morrer que morra/ Há de nascer duas vezes/ Quem sair desta gangorra".
Na opinião de Calasans, Melchíades era poeta de reconhecida capacidade, como podemos comprovar nesses versos que consignam um instante dramático da fuga dos soldados da terceira expedição. Na década de 1970, a pesquisadora Ruth Terra entrevistou uma filha do poeta, Santina, e teve acesso a uma carta de 1914, dirigida à sua esposa, Senhorinha (mãe de seus quatro filhos), falando sobre o folheto do Matador de Onças ("História do Capitão Cazuza Sátyro"). Nessa correspondência, o poeta fala também de outras obras e de seus filhos. O pesquisador Mário de Andrade considerou esse poema excelente ("Cazuza Sátyro, o Matador de Onças") e anotou isso, de próprio punho, num exemplar que se encontra na coleção dos Fundos Villa-Lobos. Diz Mário de Andrade: "Estupendo! Não porque esteja feito com espírito, mas pelo interesse extraordinário de quanto conta pelo realismo, às vezes duma firmeza homérica, com que conta. É admirável e vale mais que qualquer espírito". Outro folheto muito elogiado, que tornou-se um dos maiores clássicos da chamada Literatura de Cordel é a "História do Valente Sertanejo Zé Garcia", assim avaliado por mestre Câmara Cascudo, em seu "Vaqueiros e Cantadores": "Retrata deliciosamente o sertão de outrora, com as pegas de barbatão, escolhas de cavalos para montar, rapto de moças, assaltos de cangaceiros, chefes onipotentes e vaqueiros afoitos, cantadores famosos e passagens românticas. Pertence bem ao ciclo social que terminou no século XX e que durara até o século XIX".

O PAVÃO MISTERIOSO

Entre 1925 e 1929, circula a primeira edição impressa do folheto "O Pavão Misterioso", assinada por João Melchíades Ferreira da Silva. Alguns pesquisadores asseguram que já havia uma versão do poema, escrita anteriormente pelo paraibano José Camelo de Melo Rezende (1885 - 1964) mas que ainda não fora publicada, mas cantada ao vivo. José Camelo era um autor imaginoso e brilhante, de grandes recursos poéticos. Ao que parece, a polêmica em torno da autoria só ganhou repercussão após a morte de Melchíades, em 1933. Depois que o folheto se consolidou como um estrondoso sucesso, tornou-se objeto de cobiça de vários editores, que incitavam a polêmica para facilitar a sua publicação sem pagar direitos autorais a nenhum dos dois poetas.
Segundo Átila de Almeida e José Alves Sobrinho, autores do Dicionário Bio-Bibliográfico de Repentistas e Poetas de Bancada, nesse período, José Camelo vinha sofrendo perseguições e havia se afastado da Paraíba e se refugiado no Rio Grande do Norte. Essa situação nunca foi devidamente esclarecida. Aroldo Camelo de Melo, sobrinho do poeta, assegura que ele estava preso, em João Pessoa, por causa de dinheiro falso que recebera de um editor no Recife (PE), mas não há provas concretas que endossem essa versão.
Em seus livros, a pesquisadora Ruth Terra apresenta uma lista completa (ou quase) de todos os poetas populares que haviam publicado folhetos entre 1898 e 1930. Na Casa de Rui Barbosa e outras coleções pesquisadas pela autora, aparecem diversos folhetos de João Melchíades, mas nenhum de José Camelo, até o ano de 1930. Segundo o testemunho do poeta Antônio Ferreira da Cruz, que escreveu um folheto intitulado "A morte de João Melchíades - O Cantor da Borborema", publicado pela tipografia da Popular Editora, de João Pessoa, Melchíades era uma espécie de "professor de cantoria" e tinha muitos discípulos. Um de seus parceiros era justamente o cantador José Camelo de Melo, com quem viajava fazendo apresentações. Aroldo Camelo informa que, durante uma dessas apresentações, a questão da autoria do "Pavão Misterioso" veio à baila, mas em clima amistoso. Camelo terminou uma estrofe dizendo: "O pavão tem duas asas / pode voar com nós dois". Melchíades respondeu com outra estrofe, no mesmo tom. Eis o que diz Antônio Ferreira da Cruz, na página 4 do folheto já mencionado, falando inicialmente de uma polêmica (poética) que Melchíades (católico fervoroso) mantinha com os evangélicos: "Era um cantor educado/ Na regra de divertir/ Não bebia, não jogava,/ Nem gostava de mentir;/ Com qualquer pastor da crença/ Gostava de discutir./ Em toda zona brejeira/ Mostrava bem seu emblema/ Era muito conhecido/ Por Cantor da Borborema/ Desde o Pico do Jabre/ Ao Boqueirão da Jurema./ Ensinou muitos cantores,/ Era um escritor de fé/ Andou com José Camelo/ Ensinou Antônio Thomé/ Ensinou José Thomás/ Lecionou Josué./ Em toda escala de versos/ Ele sabia cantar/ Ensinou a cantador/ Que não sabia falar/ Ainda que alguém lhe desse/ A paga de o difamar".
No romance "A pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta", de Ariano Suassuna, João Melchíades Ferreira aparece como padrinho de crisma e mestre de cantoria de Quaderna e de seu parceiro Lino Pedra Verde. Pelo visto, mestre Ariano tinha ciência dessa atividade de Melchíades. A saga do Cantor da Borborema deverá virar livro. Para isso estamos iniciando uma cuidadosa pesquisa a fim de contar a sua história sem acirrar, ainda mais, essa polêmica infrutífera que ainda hoje norteia os voos do Pavão Misterioso.

* Arievaldo Viana nasceu nos Sertões de Quixeramobim (Ceará), em 1967. É poeta, cordelista, escritor e ilustrador. Seu livro mais recente é a biografia "Leandro Gomes de Barros - Vida e Obra" (2014)


CORDEL EM PARATY-RJ

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Feira do Livro de Paraty-RJ homenageia Euclides da Cunha e terá um espaço dedicado ao CORDEL





Em 2019, a Festa Literária Internacional de Paraty, que acontecerá de 10 a 14 de julho,  irá celebrar o escritor Euclides da Cunha. Apesar de ter nascido no Rio de Janeiro, Euclides fez história ao escrever sobre a Guerra de Canudos no livro Os Sertões e apresentar aquela realidade para o Brasil e o mundo. Estaremos nesse período em Paraty, a convite do IPHAN, lançando o livro "Os milagres de Antônio Conselheiro", que escrevi em parceria com Bruno Paulino.

Estive pela primeira vez em Paraty como convidado oficial da FLIPINHA, ao lado do também cordelista Fábio Sombra. Fiz palestras, recitais e visitei escolas divulgando o projeto ‘Acorda Cordel na Sala de Aula’. Naquele ano, o patrono da Feira era Millôr Fernandes e participei da Mesa de Debates ao lado de outros autores. Para mim, que sou apaixonado por história, foi uma bela oportunidade conhecer uma das mais belas cidades históricas do Brasil.


Ano passado (2018) fiz parte de uma caravana da Associação Cearense de Escritores, capitaneada pelo escritor João Silas Falcão. Participamos de atividades paralelas e tivemos a oportunidade de expor o nosso material. O melhor de tudo foi o bate-papo que rolou entre a gente, o estreitamento de relações e o intercâmbio de autores cearenses, que geralmente só se encontram em lançamentos, sem tempo para um papo mais prolongado.

Este ano recebemos um convite do IPHAN, através de Maria Elisabeth de Andrade Costa, chefe da Divisão de Pesquisa do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, para ocupar um espaço destinado ao IPHAN, na FLIP Paraty, divulgando a nossa Literatura de Cordel, que foi reconhecida em 2018 como Patrimônio Imaterial do Povo Brasileiro.

Participam desse grupo os poetas Arievaldo Vianna, Anilda Figueiredo (da Academia de Cordelistas do Crato), Klévisson Viana (Tupynanquim Editora), Victor Lobisomem, Erivaldo Ferreira da Silva, Dalinha Catunda e muitos outros. Em breve voltaremos ao assunto.




PALESTRA DA PROFESSORA
LUITGARDE OLIVEIRA CAVALCANTI BARROS

O espaço do cordel contará também com a presença da professora Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, antropóloga, estudiosa da cultura nordestina, envolvendo aspectos do messianismo. Ela fará uma palestra sobre os BEATOS, com destaque para as figuras do Padre Ibiapina e Antônio Conselheiro, com apresentação de quase desconhecida, porém essencial bibliografia sobre a Guerra de Canudos. Luitgarde pretende relançar o seu livro "Pelos Sertões do Nordeste", uma coletânea de artigos sobre análises do Mundo Beato, Migrações, Cangaço, Planejamento Econômico e outras reflexões sobre o sertão, num total de  618 páginas.

ARIEVALDO VIANNA

SAIU NO CADERNO VERSO DO DN

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Prosas, rimas, trocas: cearenses na Flip 2019 alargam olhares sobre a produção literária do Estado
Por Diego Barbosa

Com a proximidade da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), de 10 a 14 de julho, o Verso destaca a participação de cearenses neste que é um dos principais eventos no segmento do País


 Erivelto de Sousa, Arievaldo Viana, Jarid Arraes, Mailson Furtado e Klévisson Viana: amostra potente do Ceará em letras | Fotos: Fabiane de Paula/ Fernanda Siebra/ Dani de Costa Russo/ Helene Santos/ Erika Fonseca


Demarcar o lugar e relevância da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) nesta altura do campeonato é exercício redundante. Cravada no calendário cultural do País desde 2003 como um dos mais importantes eventos no segmento, a iniciativa torna a charmosa e prestigiada cidade do litoral fluminense um inspirado polo de encontros, tendo como pilar a troca sempre urgente de debates e fazeres no campo das letras.

Nesta 17ª edição, as características que, pouco a pouco, fizeram-na ganhar as vistas do público não perdem o rumo. Pelo contrário: seguem rastro certo ao alargar as possibilidades de conexão, sobretudo com a região em que o Ceará está inserido.

O grande homenageado deste ano, Euclides da Cunha (1866-1909), é autor de uma das obras seminais da literatura nacional, "Os Sertões", cuja paisagem narrativa, para além de contar um relevante capítulo da história do Brasil, reverbera aspectos intrínsecos à regionalidade encontrada aqui e em todo o Nordeste.



Guia Flip: pontos que merecem destaque no principal evento literário do País

Pluralidade sentida também, de modo intenso, nos cearenses que ocuparão os espaços da festa. De malas prontas para vivenciar os dias de maratona literária, de 10 a 14 de julho, cada um e cada uma tratará de oportunizar novas perspectivas de apreciação e leitura das estéticas inseridas em contos, cordéis, poesias e ficções. Há muito para se discutir e comentar.

A começar por Jarid Arraes. Nascida no Cariri e radicada em São Paulo, foi confirmada como uma das atrações oficiais da Flip ainda em maio, munida de destaque: é a primeira mulher cordelista a integrar a seleta programação do evento.


Em entrevista recente concedida ao Verso, a escritora juazeirense explicou que a curadora da festa, Fernanda Diamant, queria uma "visão refrescante do sertão" pelos olhos de alguém como a autora, conhecida por promover interseções entre a literatura e temas como gênero e raça.

Exemplo presente em "As Lendas de Dandara", "Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis" e "Redemoinho em dia quente" - primeiro livro de contos dela, publicado pelo selo Alfaguara, destaque na mesa que participará ao lado de Carmen Maria Machado, no dia 13.

Independente

Estando pela primeira vez na festa no ano passado, como apreciador, o também cearense Mailson Furtado volta a transitar pelas ruas de Paraty, agora com a conceituada marca de ser o mais recente vencedor do Prêmio Jabuti. Desta vez, o retorno promete: a convite da Kindle Direct Publishing, plataforma da Amazon, o poeta estará na Casa Libre & Santa Rita de Cássia no dia 13 para conversar sobre autopublicação no Dia do autor independente.


Do município de Varjota, o ganhador do Prêmio Jabuti Mailson Furtado falará no evento sobre literatura independente | Foto: Helene Santos

"Além disso, terei outros momentos em alguns espaços para conversa sobre poesia e literatura independente", sublinha.

"Levarei na bagagem minha experiência enquanto autor sertanejo de uma cidade do interior e as possibilidades de se fazer e consumir arte por estas bandas; também os caminhos necessários da independência editorial e a importância da pulsação sertaneja".
Para o criador do premiado “à cidade”, fica a oportunidade para o público de acompanhar de perto os diferentes espaços de troca e afirmações sobre o fazer artístico no Brasil, embora pondere: “Infelizmente, por inúmeras questões (geográficas, econômicas) é um evento direcionado a quem pode ir, e não a quem deseja ir, coisas que refletem nosso país marcado por desigualdades”.

Tradição

Quem igualmente está se organizando para marcar presença na Flip são os irmãos Arievaldo e Klévisson Viana. O primeiro estreou na festa como convidado especial da Flipinha, em 2014. Neste ano, por meio do convite de Maria Elisabeth Costa - chefe da Divisão de Pesquisa do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) - ocupará um espaço mantido pela instituição divulgando a literatura de cordel, reconhecida como Patrimônio Cultural Brasileiro em setembro de 2018.


Arievaldo Viana estará junto a outros representantes do cordel no espaço mantido pelo Iphan, difundindo a tradição local | Foto: Fernanda Siebra

"Além de mim, o Iphan convidou os poetas Moreira de Acopiara, Klévisson Viana e outros autores ligados ao cordel e à xilogravura", enumera.

"Conosco, estará a escritora, antropóloga e professora aposentada da UFRJ, Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, uma autoridade sobre estudos do Messianismo no Nordeste. É claro que falaremos da importância do patrono da feira, mas também nos debruçaremos sobre outros autores que se ocuparam do tema Canudos", completa.
Arievaldo elucida ainda que, na ocasião, seu último livro, "Os milagres de Antônio Conselheiro", ganhará amplitude.

Klévisson Viana, por sua vez, estreando por lá, tratará de dedicar falas envolvendo o cordel deixando entrever um detalhe pertinente: "Creio que nossos autores terão muito a acrescentar à Flip. No meu entendimento, nossa presença nada mais é que o reconhecimento a essa grande contribuição que o Estado do Ceará tem dado para as artes e letras do País e universalmente".

Além disso, não dissocia a envergadura da festa com a necessidade de se pensar a literatura e a sociedade na contemporaneidade. "Nesse momento que o Brasil padece de tantos problemas sociais e políticos, é importante que façamos uma infusão na nossa história, refaçamos caminhos, recuperemos um pouco da trajetória do nosso povo e da nossa verdadeira identidade nacional", considera.


Ao estrear na Flip, Klévisson Viana, autor de quase duas centenas de folhetos de cordel, atualizará temáticas nossas | Foto: Erika Fonseca

Ainda na seara do cordel, duas artistas do Crato, Anilda Figueiredo e Dalinha Catunda, ligadas à Academia dos Cordelistas da cidade, lançarão um folheto de peleja entre as duas.

O escritor, jornalista, professor e cientista político Erivelto de Sousa também participará da festa. Filho de nosso chão, lançará o livro "O Fantasma do Padre", editado pela Autografia.

"A literatura e o livro precisam de sempre mais espaço, e terão. Ler é sempre importante, pois significa descobrir e revelar mundos, essência da vida", ressalta.

Com ênfase na ficção, Erivelto de Sousa lançará "O Fantasma do Padre", romance ambientado no interior do Ceará
Foto: Fabiane de Paula
Completando o time, o cearense radicado no Mato Grosso, Felipe Holloway, ganhador do Prêmio Sesc de Literatura neste ano na categoria Romance, estará no evento pelo estande do Sesc. No total, o espaço terá cerca de 100 atrações, entre intervenções artísticas, cafés literários, oficinas e exposições.

Fomento

Presidente da Associação Cearense de Escritores (ACE), Silas Falcão organizou um grupo de 20 pessoas para a Flip do ano passado. Neste ano, contudo, por conta da crise financeira de uma empresa aérea, não será possível repetir o feito.

Para ele, de modo a fomentar a presença na Flip, há possibilidades a serem buscadas.

"Seria muito aplaudida a colaboração das secretarias da cultura, do Estado e de Fortaleza, quanto à participação mais efetiva da literatura cearense no evento. Até lá, estamos analisando o aluguel de uma casa própria para esse segmento".
Que a vontade ressoe, e ainda mais forte, porque temos muito a oferecer.

Serviço
17ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip)
De 10 a 14 de julho em diferentes espaços da cidade de Paraty, Rio de Janeiro. Ingressos: R$ 55, cada mesa. Mais informações pelo site oficial do evento.


CORDEL NA FLIP

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A CONVITE DO IPHAN, CORDELISTAS PARTICIPAM DA FEIRA DO LIVRO DE PARATY-RJ

Cordelistas de todo o Brasil receberam convite do IPHAN, através de Maria Elisabeth de Andrade Costa, chefe da Divisão de Pesquisa do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, para participar da FLIP Paraty 2019, divulgando a nossa Literatura de Cordel, que foi reconhecida em 2018 como Patrimônio Imaterial do Povo Brasileiro.
Participam desse grupo os poetas Arievaldo Vianna, Anilda Figueiredo (da Academia de Cordelistas do Crato), Klévisson Viana (Tupynanquim Editora), Paola Torres, Moreira de Acopiara, Varneci Nascimento, Ana Ferraz (Editora Coqueiro), Victor Lobisomem, Erivaldo Ferreira da Silva, Dalinha Catunda e muitos outros.

* * *


Professora Luitgarde Cavalcanti


PALESTRA SOBRE O MUNDO BEATO

O espaço do cordel contará também com a presença da professora Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, antropóloga, estudiosa da cultura nordestina, envolvendo aspectos do messianismo. Ela fará uma palestra sobre os BEATOS, com destaque para as figuras do Padre Ibiapina e Antônio Conselheiro, com apresentação de quase desconhecida, porém essencial bibliografia sobre a Guerra de Canudos. Luitgarde pretende relançar o seu livro "Pelos Sertões do Nordeste", uma coletânea de artigos sobre análises do Mundo Beato, Migrações, Cangaço, Planejamento Econômico e outras reflexões sobre o sertão, num total de  618 páginas.

ARIEVALDO VIANNA

NOVO CORDEL

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O PRESENTE DE NATAL DE LAMPIÃO
Autor: Arievaldo Vianna | baseado num conto de Gustavo Barroso


(Trechos)

Das histórias do Cangaço
Esta é a mais singular
Na crônica dos cangaceiros
É bem difícil encontrar
Relato tão pitoresco
Não sendo um tema burlesco
Em versos quero narrar.

Quando Lampião reinava
No Cangaço, absoluto,
Percorreu vários estados
Sempre firme e resoluto
Mas, em meio à violência,
Também praticou clemência
Provando não ser tão bruto.

Aqui, acolá, escuto
E pra que ninguém desminta
Vou narrar esse episódio,
Deu-se na década de trinta;
No final da narração
Veremos que Lampião
Não é mau como se pinta.

Quem registrou esse fato
De modo criterioso
Foi o grande folclorista
Gustavo Dodt Barroso
A título de passatempo
No livro “Cinza do Tempo”
Relato maravilhoso.

Lampião, um certo dia,
Visitando um povoado,
Vinha com dor de cabeça
Doente e muito enfadado,
E procurava um lugar
Para poder descansar
Tranquilo e bem sossegado.

Era véspera de Natal
E ele desejava trégua
Esquadrinhou toda a vila
Sem usar compasso ou régua;
Falou, de cara fechada:
– Eu  não quero ouvir zoada
De nem um 'fie-duma-égua!”

A cidade estava cheia
Pois era dia de feira
E Lampião, carrancudo,
Ordenou à cabroeira:
– Quero essa feira acabada
Depois 'pastorem' a entrada
Não fiquem aqui de bobeira!


(...)

Este folheto será lançado na BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DO CEARÁ, pela Editora CORDELARIA FLOR DA SERRA, do poeta Paiva Neves. AGUARDEM!

50 anos da Conquista da Lua

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O cordel conta a lua

(18 de Julho de 2009) CADERNO 3


Os astronautas trajavam
Calça, culote e colete
Um guarda peito de aço
Desenhado um ramalhete
E cada um tinha uma estrela
De prata no capacete.
(José Soares – O homem na lua)


A viagem do homem à lua, em julho de 1969, foi parar no folheto de feira porque o cordel é um conjunto de histórias que fala de nossos sonhos, medos e anseios

Uma fala mítica que ganhou o impresso como forma de aproveitar as tecnologias disponíveis e assim poder permanecer.

Mesmo quando denunciamos como superada a velha dicotomia entre sagrado e profano, não podemos perder de vista a oposição entre o alto e o baixo, o céu e a terra, o sublime (mágico e misterioso) e o banal do cotidiano que precisa ser suportado.

Velhas narrativas sempre deram conta de festas no céu com a presença de animais. Foi assim que se estilhaçou o casco do cágado, numa queda desastrada, provavelmente por conta do excesso de bebidas. O ´trancoso´ reforçou estes relatos nas noites mágicas, ao pé das fogueiras, nos terreiros das fazendas, onde estivesse um narrador com o fôlego de Scheerazade para nos enlevar, nos meter medo ou nos deixar curiosos pela estória que não poderia ser estancada.



São Jorge reina, altaneiro, no mundo da Lua, montado em seu cavalo branco.

O guerreiro que ganhou no sincretismo brasileiro o codinome de Ogun, onipresente nas lojas de produtos religiosos e nas paredes das casas do povo, anima a torcida do Flamengo e come vatapá de camarão seco, com amendoim e muito dendê.

São Jorge parece ser nosso, de tão bem aclimatado, mas é cultuado na Geórgia, na Turquia, e, no final dos anos 1960, foi cassado pela Igreja oficial que não comprovou sua existência histórica, como se o mito não pudesse também ser canonizado.

O santo é o guardião do satélite da Terra. A presença da Lua na literatura e na música popular reforçou essa importância no imaginário coletivo.

A atualização do cordel passou por essa permanente abertura para a incorporação de novos temas. Os relatos míticos que nos situavam diante do amor e da morte, foram dando lugar a narrativas mais bem focadas e de acordo com a expectativa da média dos leitores.

Pode-se pensar numa adequação entre a mitopoética e a indústria cultural que se reforça com a publicação dos folhetos, no caso brasileiro, nos instantes de folga dos parques gráficos dos jornais.

Foi assim, que conseguimos juntar a musicalidade do nosso cantar improvisado, com as rimas, a observância da métrica, e essas histórias ganharam o suporte do papel.

Leandro Gomes de Barros cantou, em 1910, a passagem do Cometa Halley pelos céus da Paraíba. Um ´alumbramento´, como disse o pernambucano Manuel Bandeira, que se apaixonou pelos cantadores e os colocou como os grandes poetas do Brasil.



O cordel passou a funcionar como um jornal popular: feito de acordo com o que se pensava ser mais consumido e obedecendo a outra lógica, descolada dos manuais de redação dos jornais que passavam a ser empresas jornalísticas, superada a fase de defesa de postulados e de ligação mais evidente com os partidos políticos.

Passamos a ter muitos episódios importantes como tema dos folhetos, como o reforço da figura de Padre Cícero; as andanças e peripécias de Lampião e seu bando de ´rebeldes primitivos´; relatos de secas; denúncias de carestia e outras crônicas. Os folhetos de cordel, aparentemente frágeis e perecíveis, tinham impacto na formação da visão de mundo da gente do sertão.

Este aspecto de jornal se reforçou com guerras, mazelas, denúncias de injustiças e atinge seu ápice com o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. Nunca o cordel tinha sido tão importante como possibilidade de uma leitura que fugia ao padrão da mídia oficial, comprometida com a desestabilização do Presidente nacionalista, versão revista e atualizada do outro Vargas (1937/ 1945).

Tecnologia

Chegamos aos anos 1960 com a crise anunciada do cordel. Não exatamente por conta da ditadura militar, mas pela crise do papel no mercado internacional que elevou os custos da produção dos folhetos.

A modernização do País levava a outros valores e a industrialização era uma meta.

Nesse mesmo tempo, a televisão trouxe novas formas de lazer e de sociabilidade. O mundo descobriu, estarrecido, o poder hipnótico do tubo azul que emitia uma mistura de rádio, cinema, teatro, história em quadrinhos e, principalmente, de circo.

O projeto militar passava pela construção de uma hegemonia que recorria às mídias e pela construção de uma rede de comunicação que envolvia o País através de satélites, torres, antenas e micro-ondas. Integrar era uma forma de controlar para dominar.

Foi assim que se constituiu a Embratel (Empresa Brasileira de Telecomunicações) e tivemos a possibilidade das transmissões instantâneas e da constituição das redes de televisão. A parafernália estava sendo experimentada antes do Jornal Nacional, que foi ao ar, pela primeira vez em setembro de 1969.

A viagem dos astronautas norte-americanos que chegaram à Lua em 20 de julho de 1969 testou o alcance da receptividade não só da engrenagem, mas das possibilidades de cobertura de um evento que tinha todo o toque de ficção científica.

Tudo isso vinha com a Guerra Fria, desencadeada pela vitória das Forças Aliadas contra o nazi-fascismo, em 1945, e trouxe a dicotomia entre Estados Unidos e Rússia.

O sonho da conquista da Lua estava presente desde os tempos mais remotos. A possibilidade ganhava forma com a disputa entre norte-americanos e russos pela supremacia espacial. Foi assim que o satélite Sputinik batizou um bloco que desfilou no carnaval cearense do final dos anos 1950 e a cadela Laika foi ao ar numa viagem sem volta. A disputa pela tecnologia era, na verdade, a luta ideológica transplantada para outro ´front´.



Versão no cordel

Depois de muita espionagem, contra-informação e factóides, o homem chegaria à Lua e o poeta de cordel estava atento ao acontecimento. Mais que uma forma de interferir no real, era uma possibilidade de vender mais folhetos e dar conta da expectativa do leitor em relação à versão legitimada de um líder da comunidade que dava seu aval à efeméride.

Havia dúvidas em relação à chegada do homem à lua, como deixou claro o baiano Rodolfo Coelho Cavalcante: ´Muita gente por aí / anda bancando o palhaço/ dizendo que os astronautas / não conquistaram o espaço´. Mesmo a presença da televisão, mostrando o ´pequeno passo´ de Armstrong (e o grande passo da Humanidade), não apaziguou a todos.

Eram tantas as possibilidades de simulações, que a descida do módulo na Lua, a escavação para trazer amostra de pedras, o ´enfincamento´ da bandeira norte-americana no solo e as pisadas desajeitadas que inspirariam, anos depois, o ´moonwalker´ (ou caminhada na Lua) do ´astronauta´ Michel Jackson (1958/2009), pareciam ficção.

A voz do poeta


O pesquisador Gilmar de Carvalho


A Terra parou para ver o homem pisar o solo da Lua. Os céticos e renitentes ainda desconfiavam do que estavam vendo. O poeta nem sempre reforçava esta desconfiança. Não era bom para as vendas. Melhor trabalhar com o ufanismo da conquista, com o tom de vitória e de superação da Humanidade que dava um salto para frente, pelo menos em termos de tecnologia.

A produção de folhetos foi importante como registro do fato. Muitos folhetos estão na Biblioteca Amadeu Amaral, do Museu do Folclore, no Rio, dirigida pela bibliotecária cearense Maria Rosário Pinto. Outros na Comissão Pernambucana de Folclore, presidida pelo professor Roberto Benjamim. Vale recorrer à Casa de Rui Barbosa e ao Instituto de Estudos Brasileiros da USP.

Nomes importantes da literatura de folhetos se envolveram na cobertura, como o ´poeta-repórter´ pernambucano José Soares, o baiano Rodolfo Coelho Cavalcante e João José dos Santos, o Azulão, paraibano radicado no Rio de Janeiro, dentre outros.

Prevalecia o tom oficial. Os poetas não se inibiam de dizer que tinham tido os jornais e a televisão como fontes. José Soares, por exemplo, escreveu que ´Num jornal de Pernambuco / eu li numa reportagem´ e logo depois retoma a necessidade da legitimação pela mídia ao fazer uma variação do verso, desta vez com uma ´folha´ (com o ´f´ minúsculo) de São Paulo. Rodolfo cantou: ´A sombra de Armstrong / via-se na televisão´. Azulão ia além na ´pegada´ ideológica, com entusiasmo e ufanismo: ´E todos lances ao vivo/ com a EMBRATEL mostrando´.

As capas trazem, em sua maioria, fotos da cobertura jornalística. A capa cega seria pouco atraente e a xilogravura precisava de uma referência para ser escavada na madeira.

O tom eloqüente não impedia o recurso ao humor. Outra vez o poeta-repórter do Recife aproveitava para aproximar a Lua de seu Pernambuco: ´Lá não se canta Rojão / xaxado, xote ou ciranda´. A crítica ia além ao comparar os buracos da Lua com os do Recife deste tempo. Depois de levar um coice do cavalo de São Jorge, Armstrong ainda é questionado pelo santo: ´A Lua falta uma banda / foi você quem carregou?´.

A cor local se evidencia quando o poeta introduz um grande líder religioso na narrativa: ´Eu mesmo estava lembrado / Que Padre Cícero dizia / A Ciência eleva o homem / Mas não dá autonomia / Se faz o que Deus consente / O resto é hipocrisia´.

Outra vez as ideologias vêm à tona quando Rodolfo fala mal da Rússia e toma partido ao declarar num verso: ´Ó grande América do Norte / aliada do Brasil´.

Assim, quarenta anos depois, por meio das páginas amarelecidas dos folhetos ou através da consulta ´on line´ dos acervos digitalizados, é possível evocar a euforia provocada pela conquista da Lua. O cordel testemunhou este momento. Não é difícil rememorar o range-range onomatopaico das velhas máquinas impressoras, o pregão das feiras e a magia do vendedor analfabeto que aprendia o folheto de cor.

O mundo mudou, o cordel mudou, talvez não tenha mudado a nossa necessidade da fabulação. E assim o homem se prepara para Marte. Quem sabe, um dia, a poesia se torne profecia de Azulão: ´Os sábios que descobriram / Satélite, estrela e luneta / Disseram que o homem ainda / Inventaria cometa / Onde se transportaria / da Terra a outro planeta´.

GILMAR DE CARVALHO
Especial para o Caderno 3

BIOGRAFIA

Por Marcelo Soares 
José Francisco Soares, ou como ele preferia ser chamado, Zé Soares, nasceu em Alagoa Grande, Paraíba, em 5 de janeiro de 1914, e faleceu em 9 de janeiro de 1981, em Timbaúba, Pernambuco.
Ainda menino, se encantara com os desafios entre violeiros-repentistas, emboladores de côco e com os folhetos de feira que os poetas declamavam. Em 1928, publicou seu primeiro folheto Descrição do Brasil por estados. Fez biscates como agricultor e almocreve e, em 1934, foi para o Rio de Janeiro trabalhar como pedreiro, sem jamais deixar de publicar suas obras.
Voltou ao Recife em 1940, quando montou uma banca de folhetos no oitão do Mercado de São José, onde vendia suas obras e as de outros poetas. Nas décadas de 1940 e 1950, publicou grande parte de seus folhetos na Gráfica Medeiros.
Nos anos 1960, tornou-se proprietário da Gráfica Tricolor. Ver texto completo: http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/JoseSoares/joseSoares_biografia.html#


POEMA DE ALBERTO PORFÍRIO

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Em 1978 meu pai apareceu em casa com um livro maravilhoso que marcou a nossa infância: "POETAS POPULARES E CANTADORES DO CEARÁ", de Alberto Porfírio. Ouço, portanto, falar de Alberto Porfírio desde a minha primeira infância, pois na casa de meus avós aconteciam cantorias e dentre os poetas convidados estavam Alberto, seu irmão José Porfírio e o cantador Antônio Ribeiro Maciel, de Quixeramobim. Minha avó, Alzira de Sousa Lima, colecionava folhetos de cordel e tinha prodigiosa memória. 

Meu avô, Manoel Barbosa Lima, também apreciava os cantadores e os folhetos de Cordel. Mas não era de seu agrado que meu pai se tornasse um repentista, pois considerava a profissão incerta. Na verdade ele não queria que meu pai botasse uma viola nas costas e ganhasse o “oco do mundo”, como se dizia na época, longe de suas vistas e de sua proteção paternal. 

Em 1978 eu tinha entre 10 e 11 anos de idade, quando meu pai apareceu com uma grande novidade: um livro que marcou profundamente a minha infância e se tornou companheiro inseparável da nossa família até os dias de hoje. Era o Poetas Populares e Cantadores do Ceará, de Alberto Porfírio (Horizonte Editora, 1978), poeta que eu já conhecia de nome e de versos. As rádios costumavam divulgar seus escritos, sobretudo os poemas matutos “A estátua do Jorge” e “Cantiga da Dourinha”, que faziam sucesso na voz do saudoso radialista Guajará Cialdini, fã do poeta e divulgador incansável de sua obra. Outro poema de grande sucesso tinha o curioso título de "Eu gostei mais foi do Cão" e conta a história de um matuto que foi vítima de traição e levou seu único filho, ainda bebê, para ser criado nos matos, para que nunca na vida visse uma mulher!

Guajará declamava com encanto e desembaraço, fazendo com que nos tornássemos, cada vez mais, admiradores da lira maviosa do mestre Porfírio. O escritor Luciano Barreira, autor de Os cassacos, referindo-se à primeira parte de Poetas Populares e Cantadores do Ceará diz que a mesma “é composta de criações poéticas moldadas na simplicidade e na grandeza da poesia mais pura, essa que brota quase sempre de improviso, à sombra do alpendre ou da latada sertaneja. Versos cheios de lirismo e ao mesmo tempo de lições de elevado cunho humano”. 

Esse livro, de pouco menos de 150 páginas, é uma obra essencial para todos que amam a poesia popular. Além de apresentar uma série de poemas matutos da lavra do autor, traz ainda dados biográficos de vários cantadores e saborosos fragmentos de cantorias realizadas por outros poetas cearenses.

A seguir trechos do poema EU GOSTEI MAIS FOI DO CÃO:


EU GOSTEI MAIS FOI DO CÃO
Poema matuto de Alberto Porfírio

Já faz mais de doze anos
Qui eu me intriguei com muié
Pois o que a minha me fez
Véve com ela outra vez
Quem vergonha num tivé.

Agarrei meu fio Zé
E entrei pros mato com ele
Pois quero que ele se crie
Sem cunhincê a mãe dele.

A gente véve nas mata
Plantando e fazendo roça
Quando eu saio pro trabaio
Ele fica na paioça
Dando di cumê aos bicho
Fazendo a comida nossa.

De tempo em tempo
Pra cidade do Coité*
A fim de compra o fumo
A farinha e o café
Mais eu vou mermo sozinho
Em casa eu deixo o Zé
Pois quero que ele se crie
Sem vê diabo de muié!

Doutô, a minha muié,
Era Maria Chiquinha,
Cumo eu era só dela
Pensei que fosse só minha
Mas ela num tinha amô
Do jeito que eu lhe tinha.

(...)

Um dia, lá numa festa
Um sujeitim atrevido
Chegou e perguntô a ela
Se eu era o seu marido
E ela respondeu baixim:
- Ele é só meu cunhicido!

Qui cunhicido, que nada,
Agarrei no braço dela,
Tangi logo ela pra casa
Dei um bom ensino a ela
E ainda amiacei
De entregá-la ao pai dela.

Mais tombém essa muié
Mim pediu tanto perdão
Jueiada nos meus pés
Cuma quem faz oração
Qui inté que eu dixe pra ela:
- Num qué dizer nada não!...

Num faça mais ôta dessas
Qui tá tudo perdoado;
No ôto dia bem cedo
Fui trabaiá no roçado,
Cheguei em casa mei-dia
Cum fome e munto cansado
Ui! Seu dotô, pois estava,
Meu rancho desocupado...

Tinha ela deixado o Zé
Dento da rede, incuído
E tinha ido simbora
Cum aquele mermo enxerido
Que ela dixe, em minha frente,
Qui eu num era o seu marido.

Foi aí qui eu cunhicí
Que as muié tem mandinga,
Quando a gente qué dá nelas
Elas geme e churuminga
Mais dento do coração
É dizendo que se vinga!

Tá vendo, que muié ruim?
Deixou um fio inocente
Cum oito meses de idade
Sozinho, e cum eu ausente,
Pra ir simbora com um cabra
Um malandro, certamente,
Só pruquê tinha gravata
E tinha ouro nos dente.

Por isso é que hoje im dia
Eu indo à povoação
Num entro numa bodega
Qui tem muié no barcão
Eu fasto logo prá trás
Arrodeio o quarteirão
Por causa dela eu penso
Qui todas fazem treição!


(...)

MENDIGOS TROVADORES

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Antiga estampa do padroeiro de Canindé

NOTAS FOLCLÓRICAS SOBRE OS FESTEJOS DE SÃO FRANCISCO DE CANINDÉ


Santuário de São Francisco


O poeta, prosador e jornalista José da Cruz Filho (foto ao lado), nascido em Canindé, aos 16 de outubro de 1884 – e falecido em Fortaleza, a 24 de agosto de 1974, foi príncipe dos poetas cearenses, e membro da Academia Cearense de Letras. Como jornalista, fundou o primeiro jornal que circulou em sua terra natal (O Canindé, de 1903) e colaborou em outros que surgiram posteriormente. Num artigo extraído do jornal A IMPRENSA, do qual foi redator, temos um curioso artigo onde o poeta se diz “folclorista”.

As oficinas gráficas do Convento de Canindé-CE lançaram, a 22 de junho de 1913, um semanário chamado A IMPRENSA, mantido pela Casa de São Francisco e redigido pelo poeta Cruz Filho. A direção do estabelecimento tipográfico naquele tempo coube a Tomás Barbosa. Apareceram ao todo trinta números deste órgão, até 11 de janeiro de 1914. No livro “São Francisco das Chagas de Canindé” Frei Venâncio Willeke destaca um artigo publicado num dos números daquele semanário, possivelmente escrito por Cruz Filho, seu principal redator. Eis a transcrição de um artigo da IMPRENSA de 4-10-1913 referindo-se aos cantadores cegos ou aleijados que esmolavam durante os festejos do padroeiro de Canindé:

“NOTAS FUGACES”

Ele veio de longe, dos sertões altos de S. João do Rio do Peixe, no Estado da Paraíba do Norte... Apoiado às muletas frágeis, vencendo as areias ardentes, transpondo as duras charnecas, com uma imensa desventura nos olhos tristes e uma radiosa esperança no coração, viu, numa clara manhã de alegre sol, brancas e fulgindo no azul, as torres prestigiosas de São Francisco de Canindé.
Fugira o aleijadinho às mãos sábias dos médicos, que lhe quiseram amputar a perna chagada, num hospital do Recife, e viera, vingando as ásperas charnecas, sentar-se à sombra magnânima do templo prestigioso e unir a sua voz, numa ardente súplica rimada à confusa voz de outros náufragos da vida, – cegos, leprosos e aleijados – que a mesma ingrata vaga dos negros destinos humanos lançara e fraternizara nos mesmos estreitos palmos de terra. E ali no burburinho tumultuoso dos pregões festivos, no profuso rumor das multidões complexas, implorando a caridade das turbas felizes, o bando sinistro dos desgraçados, para quem a vasta noite da vida não tem esperança de aurora, procura chamar a atenção indiferente dos ditosos e estranhos para a sua imensa desventura sem remédio...
A festa de São Francisco de Canindé reúne a mais variada coleção de tipos sociais. São vastas ondas humanas que afluem, sôfregas, a presenciar os festejos celebérrimos do grande Santo dos doces milagres.
E o folclorista, curioso e deslumbrado, vê abrir-se ante os seus pasmos olhos de psicólogo amador uma estranha flora da emoção do vago sentimento da rude alma popular. E‟ a parte dolorosa da poesia do povo. São rudes almas de poetas que dizem cantando a sua imensa desdita. Ponteando os brados alegres, surtem como tristes ais doloridos, essas vozes mendigas de desgraçados sem lar que cantam e que imploram:

Meu irmão me dê uma esmola,
Que eu lhe peço, é por amor
Pelo cálice, pela hóstia
Que hoje se levantou! . . .

E as multidões param assombradas, diante desses poetas maltrapilhos, e as moedas caem sonoras nas bacias minúsculas de folha de flandres, acompanhadas pela aflita voz implorativa que agradece em ingênuas rimas sinceríssimas:

A quem me deu sua esmola,
Deus acrescente seu bem;
Que de um produza dez,
Que de dez produza cem...


Poeta Bentevi Neto


Cantadores se apresentavam nessas barracas, construídas no leito do Rio Canindé


Vai nessas rimas toda a psicologia desses simples, toda a sua arte de mover, com as angustiadas estrofes, o duro coração humano:

Quando Deus andou no mundo,
A São Pedro disse assim:
Quem não quer pobre na porta,
Também não me quer a Mim...

A luta amarga pela vida lhes ensinou, a eles, que nunca viveram os caminhos amáveis do coração e os meios ardilosos de prender e comover a fugitiva caridade das turbas:

Meus irmãos, me deem uma esmola,
Por Jesus de Nazaré,
Por São Francisco das Chagas,
Padroeiro do Canindé...

E ele, esse poeta de treze anos que viera pelos duros caminhos sertanejos, das longes terras da Paraíba do Norte, erguia também, no confuso tumulto das cantigas trêmulas, a sua fina voz de criança, dizendo toda a infinita amargura da sua triste primaveras sem botões:

Meus irmãos, me deem uma esmola,
E queiram me proteger,
Que eu perdi minha saúde,
Não tenho mais que perder...
Perdi os gostos da vida;
Vivo triste até morrer...

Aquela voz de mendigo justificava perante a desatenta caridade humana o seu amargurado e angustioso pedido em versos ingenuamente impressionadores:

Meus irmãos, me deem uma esmola;
Tenham dó do meu penar
Que eu perdi minha saúde,
Não posso mais trabalhar.

Se eu tivesse minha saúde,
Como todos têm a sua,
Não ia de porta em porta,
Pedindo esmola na rua,
Comendo fora de horas...
Ai meu Deus, que sorte crua!...

E as moedas, os níqueis, os cobres caíam, choviam na bacia de folhas de flandres estendida à caridade dos transeuntes e, de novo, a triste voz magoada se elevava, sonora e agradecida:

A quem me deu sua esmola,
Deus o leve num andor,
Acompanhado de anjos,
Circulado de fulô...
Nossa Senhora o proteja
Quando deste mundo for...

“É uma vasta classe, digna do estudo de um amador perspicaz, essa classe dos mendigos – possuindo o seu argot particular, mantendo a sua solidariedade, também a sua rivalidade feroz de oficiais do mesmo ofício”.

In WILLEKE, Frei Venâncio - São Francisco das Chagas de Canindé, Editora Vozes, 1973


LANÇAMENTO EDITORA IMEPH

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Lucília Garcês lança livro sobre Ariano 
Suassuna com ilustrações de Jô Oliveira



Credito: Reprodução. Ilustração de Jô Oliveira para o livro Ariano Suassuna, 
de Lucília Garcez.

Por: Severino Francisco

Ariano Suassuna era um personagem em busca de um autor ou de autores que o apresentassem às crianças. Não é mais. Ele encontrou a escritora Lucília Garcez e o ilustrador Jô Oliveira, uma mineira e um pernambucano que se rebrasileirizaram em Brasília. Eles escreveram uma encantadora biografia de Ariano para as crianças (Editora Imeph), mas, que, como toda obra de qualidade pode ser lida por pessoas de qualquer idade.


Ilustração de Jô Oliveira: o real e o mítico entrelaçados na vida de Ariano Suassuna.

A narrativa de Lucília e Jô evolui como um cortejo de maracatu, numa sintonia perfeita entre palavra e imagem. Nos joga, de maneira sensorial, no mundo de Ariano, com sensibilidade e delicadeza: o cotidiano em Taperoá,cidadezinha do sertão da Paraíba; as feiras, as festas populares, os teatrinhos, as cantorias, a chegada do circo. Na precariedade, era possível garimpar um universo cultural riquíssimo. Ariano puxou o fio da tradição medieval transplantada para o nordeste brasileiro.
Como bem diz Flávia Suassuna na apresentação, a biografia revela não apenas os elementos que fizeram Ariano ser Ariano, mas, também, as formas, os sons e as cores. É, ao mesmo tempo, uma biografia e uma fábula.
Ele parece um personagem saído diretamente de um folheto de cordel para a realidade.

Quando era garoto, quis fugir com o circo e só não conseguiu porque levou uma tremenda bronca da mãe. Ficou a frustração de ser palhaço, mas, na fase final da vida, Ariano realizou a vocação plenamente com as suas aulas-espetáculos, em que mistura a erudição de professor de estética com a verve popular de João Grilo paraibano. Ao arrancar o riso das plateias ele ficava com o brilho nos olhos de menino encantado, comemorava cada gargalhada como se fosse um gol.


 Capa do livro Ariano Suassuna; de Lucília Garcez, com ilustrações de Jô Oliveira.

Antonio Candido disse que os grandes homens desapareceram, pois eles dependem das utopias. E Ariano é dessa linhagem, é um Quixote paraibano de múltiplos talentos, mas, antes de tudo, poeta. O Quixote é um herói moral, tem um ideal tão alto que as derrotas não o desmerecem; as derrotas o engrandecem.

A biografia escrita por Lucília e ilustrada por Jô nos revela que a história de Ariano se entrelaça de maneira indivisível com a história brasileira e com a história da cultura popular nordestina. Ele é um personagem épico. E, neste momento, nós estamos precisando, dramaticamente, de brasileiros que nos engrandeçam.
Imagino que, onde estiver, ao folhear o livrinho de Lucília e Jô, Ariano deve estar chorando as lágrimas de esguicho de que fala Nelson Rodrigues, lágrimas da mais pura alegria.



Ilustração de Jô Oliveira: Ariano tinha múltiplos talentos, mas era, antes de tudo, poeta

Fonte: CORREIO BRAZILIENSE

Lançamento na BIENAL DO CEARÁ

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Instituto Horácio Dídimo lança coletânea 
“100 SONETOS DE CEM POETAS”

O Instituto Horácio Dídimo de Arte, Cultura e Espiritualidade tem a grata satisfação de convidar a todos para o lançamento da coletânea "100 Sonetos de 100 Poetas" que acontecerá às 17h30min do dia 25/08/2019 no Espaço Juvenal Galeno da XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará, no Centro de Eventos do Ceará, na Av. Washington Soares, 999 - Edson Queiroz - Fortaleza-CE.


A coletânea, que conta com participação de 100 poetas sonetistas de todo o Brasil,  foi organizada por Luciano Dídimo com a colaboração dos professores Bôscoly Morais e Carlos Gildemar Pontes, sendo enaltecida com o  prefácio de Sânzio de Azevedo, um dos maiores especialistas cearenses em  Teoria do Verso!

Na ocasião o livro poderá ser adquirido pelo preço promocional 

de R$20,00 a unidade, com desconto de 25% 

na compra de 10 unidades (R$150,00).

Confira abaixo a lista dos 100 poetas participantes:

1.      
Adriano de Alvarenga Azevedo – Ideal de Paz
Airton Uchoa Neto – Andropausa
Alana Girão de Alencar – A… calma
Alan Bezerra Torres – Metanoia
Ana Maria Nascimento – Presença de Outono
Ana Néo – Antissoneto
Antônio Francisco Pereira – A Travessia
Antônio Ortiz – Soneto de meu pai
Arievaldo Vianna – Dilemas de Ícaro
Arlindo Tadeu Hagen – O Breu da Ausência
Batista de Lima – Outonal
Bôscoly Morais – Ninho Vazio
Bruno Paulino – Poema do Peregrino
Caio Fraga – Soneto Resoluto
Carlos Gildemar Pontes – Na luz da tua imagem
Carlos Vargas – Cristo: Alimento da Igreja
Carlos Vazconcelos – Em defesa do soneto
Célia de Paula – Entardecer
Daniel Perroni Ratto – Soneto da Busca
Décio Romano – Soneto 113
Diana Balis – Verdade
Dimas Carvalho – O Espelho
Diogo Fontenelle – Soneto ao Eu-Menino
Edir Pina de Barros – Confissões
Edmar Freitas – O Tempo
Elimax de Andrade – Solidão
Elvira Drummond – O Muro e a Ponte
Estela da Paz – Soneto à Rainha do Carmelo
Eugênia Carra’h – As Pérolas da Vida
Fabiana Guimarães – Primeiro Soneto
Fernando Saboia – Soneto para a Alma
Francisco Lopes Neto – Cânticos, 6
Francisco Silvino – O Tempo
Gilliard Santos da Silva – Soneto de Esperança
Giselda Medeiros – Insanidade
Gonzaga Mota – Sentido da Vida
Guiomar Frota – Saudade
Henrique Beltrão – Soneto Torto
Inês Carolina Rilho – Ecoando n’alma
Isabel Furini – Batalha Poética
Ismar Dias de Matos – Diamantina
Israel Batista de Sousa – Rosemary
Izaíra Silvino – Sonho Alentado
Jader Soares – Vira-lata
João de Arimateia de Melo – Líquidas Palavras
José Feldman – Mistérios da Vida
José M. M. Pedro – Antes que surja o amor
Josenir Lacerda – Anseio
José Valdivino – Carmelitas
J. Udine – A Morte do Velho Monge
Júlio César Martins Soares – A mulher nasce do sonho
Júnior Bonfim – Eu Sou
Karla Karenina – Soneto do Amor Passado
Kléber Cação – Tentativas Vazias
Leo Rocha – Sinestesia da Fome
Linhares Filho – À Amada do Octogenário
Luciano Dídimo – Sonetos e Sonatas
Lucineide Souto – Então
Magna Maricelle – Terra à vista
Manoel Virgílio – Nada
Márcio Catunda – O Filho Pródigo
Marcos Antônio de Abreu – Soneto do Amor 
Marisa Maria Ribeiro – Morada Poética
Marli Voigt – Palco das Flores
Mary Nascimento – Renascimento
Michelle Gomes Moreira – Detalhados Segredos
Mihai Eminescu (Tradução de Luciano Maia) – Veneza
Nádya Gurgel – Redondilhas Menores Doridas
Nahor Lopes de Souza Junior – Não sou poeta
Nealdo Zaidan – Prova Irreal
Nicodemos Napoleão – Filosofia
Nilze Costa e Silva – Navegando
Oliveira de Castela – Sonito
Oswald Barroso – Amor sem medida
Oswaldo Francisco Martins – Amor e Bem Verdadeiros
Paulo Roberto Coelho Ximenes – Magia no Mundaú 
Paulo Roberto de Oliveira Caruso – Soneto Decassilábico de Guia
Pedro Bezerra de Araújo – Caminhar, Errar, Perdoar
Pedro Francisco Alves – Força do Equilíbrio
Pedro Ernesto – Os Falsos Heróis da Modernidade
Pedro Sampaio – Soneto à Liberdade
Roberto Coelho – Onde florescem os sonhos?
Roberto Ferrari – Paixão Sentida
Rosanni Guerra – Quartos Vazios
Sânzio de Azevedo – Versos ao Sono
Sônia Cardoso – Manhã
Sônia Nogueira – Serenidade
Stélio Torquato Lima – Fugaz
Tetê Macambira – Soneto do Querer
Tito de Andréa – Para Lyria
Totonho Laprovitera – Feliz e Satisfeito
Túlio Monteiro – E há pó de estrelas pelas estradas
Vianney Mesquita – Espirituosidade Comedida
Vicente Delgado Carreto – Razone tendrá la muerte
Vicente de Paula Maia Santos Lima – Sorriso de Criança
Vicente Freitas – Soneto ao meu pai morto
Vicente Vieira – Louco Poeta
Virgílio Maia – Soneto de Iracema e de Martim
Wilamy Carneiro – Soneto de Amor!
Xico Torres – Ide

LENDAS DO FOLCLORE BRASILEIRO

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VEM AÍ A SEGUNDA EDIÇÃO de uma obra da dupla ARIEVALDO VIANNA e JÔ OLIVEIRA. O livreto LENDAS BRASILEIRAS EM CORDEL, onde narro em cordel as lendas da MÃE DO OURO, CURUPIRA, BOTO COR-DE-ROSA e A MULA SEM CABEÇA. A primeira edição desse trabalho, lançado em 2012, foi feito por encomenda dos CORREIOS que lançou quatro selos de Jô Oliveira referentes à essas lendas do povo brasileiro. A seguir, trechos da LENDA DO CURUPIRA:


A LENDA DO CURUPIRA EM CORDEL
Autor: Arievaldo Viana – Desenhos: Jô Oliveira

1 - A poesia é um dom
Que a musa divina inspira
É a pepita que ofusca
O cascalho da mentira
Peço ajuda ao universo
Para narrar, no meu verso,
A lenda do Curupira.

2 - Tem os cabelos vermelhos
Dentes de rara beleza
Verdes como a esmeralda
Luz de vagalume acesa
Não gosta de caçador
É o gênio protetor
Das coisas da Natureza.

3 - Diz a lenda que um índio
Um dia, por distração,
Adormeceu na floresta
E acordou de supetão
Na sua frente sorria
O Curupira e queria
Comer o seu coração.

4 - O caçador já matara
Ali alguns animais
Então concebeu um plano
Astucioso e sagaz
Um coração lhe arranjou
O Curupira provou
E sorriu, pedindo mais.

5 - Um coração de macaco
O caçador lhe entregou
O Curupira comeu
O coração e gostou,
O caçador respondeu:
- Agora me dê o seu;
Que o meu você devorou...

6 - O Curupira inocente
Agiu com todo respeito
Pediu a faca do índio
E cravou no próprio peito
Depois ficou estirado
E o caçador assombrado
Saiu depressa, sem jeito.

7 - Por muito tempo o tal índio
Não queria mais caçar
Por mais que os seus amigos
Viessem lhe convidar
Ele inventava desculpa
No peito trazia a culpa
Medo, tristeza e pesar.

8 - A filha do caçador
Pediu a ele um colar
O índio, pai devotado,
Resolveu ir procurar
Os dentes do Curupira
Brilhantes como safira
Para a filhinha enfeitar.

9 - Achou o crânio do gênio
E ali mesmo procurou
Bater com ele na pedra
Mas logo que o tocou
De uma maneira funesta
O espírito da floresta
Depressa ressuscitou.

10 - O Curupira entendeu
Que ele fosse o responsável
Por sua ressurreição
E de modo muito amável
Deu-lhe um arco pra caçada
E uma flecha encantada
De valor inestimável.


(...)

CORDELTECA DA UNIFOR

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Poesia, música e cantoria marcam a inauguração da Cordelteca Maria das Neves Baptista Pimentel

Equipamento reúne mais de 2 mil folhetos e é o primeiro do Brasil a catalogar obras de literatura de cordel


A Cordelteca funciona de segunda a sexta-feira, de 8h30 às 17h e sábados de 8h às 13h. Foto: Ares Soares.

Ao som dos acordes de Pavão Misterioso, do cantor cearense Ednardo, e da poética rimada do cordel, a Fundação Edson Queiroz inaugurou na manhã desta terça-feira, 20 de agosto, a Cordelteca Maria das Neves Baptista Pimentel, a primeira do Brasil a reunir obras de literatura de cordel devidamente catalogadas. O novo equipamento, situado no 1º andar da Biblioteca Central da Unifor, tem acervo de mais de 2 mil títulos, instrumentos musicais e xilogravuras e homenageia a primeira mulher a publicar um folheto de cordel no Brasil, em 1938.


A professora Paola Torres foi a idealizadora da Cordelteca (Foto: Unifor)

A cerimônia de lançamento, realizada no auditório da Biblioteca Central, contou com a presença da presidente e da vice-presidente da Fundação Edson Queiroz, respectivamente, Lenise Queiroz Rocha e Manoela Queiroz Bacelar, do chanceler Edson Queiroz Neto, da reitora Fátima Veras, de vice-reitores, dos secretários de Cultura do Ceará e do Rio Grande do Norte e da idealizadora da cordelteca, a professora do curso de Medicina Paola Tôrres, além de professores, alunos, cordelistas e de familiares da homenageada, entre os quais a filha Alzinete Pimentel.


Ao centro, Alzinete Pimentel, filha da homenageada (Foto: Unifor)


Lenise Queiroz Rocha, presidente da Fundação Edson Queiroz, destacou em seu discurso o cordel como expressão literária da região Nordeste e o papel de Maria das Neves que, mesmo em uma época marcada pelo pelo machismo e preconceito soube expressar sua arte e criatividade. “A inauguração da cordelteca é mais um passo para legitimar a literatura de cordel que, em 2018, foi reconhecida como patrimônio cultural imaterial do Brasil. E ao escolhermos o nome de Maria das Neves, queremos ressaltar a importância de celebrarmos a pluralidade, premissa básica na cultura, na preservação da história e de nossas potencialidades enquanto povo”, pontuou.

O secretário de Cultura do Ceará, Fabiano Piúba, declarou que a literatura de cordel é o cordão umbilical do povo nordestino, por meio do qual o ritmo, a melodia e a métrica contribuem para divulgar o amplo repertório cultural da região. E elogiou a Fundação Edson Queiroz por abrigar a cordelteca. “O acervo literário agora instalado na Unifor é uma referência de pesquisa não só para o Ceará mas para todo o Brasil”, destacou. O secretário de Cultura do Rio Grande do Norte, cordelista Joaquim Crispiniano Neto, também enalteceu a iniciativa da Fundação Edson Queiroz ao “abraçar a ideia de criação da cordelteca, por tudo o que ela representa de defesa da literatura de cordel”.

Em seu discurso, o pesquisador Bráulio Tavares lembrou frase do escritor Ariano Suassuna. “Segundo Ariano, existem o Brasil real e o Brasil oficial, e claro está que a literatura de cordel retrata o nosso Brasil real, de uma forma poética e bela”. Bráulio ressaltou ainda que os cordelistas são os únicos poetas a viver única e exclusivamente de poesia, daí necessitarem de apoio e de divulgação. “Os grandes poetas brasileiros nunca viveram de poesia, afinal, eram diplomatas, advogados ou médicos. Já os cordelistas dependem de seus cordéis para sobreviver”, salientou.

Em nome de Maria das Neves, a filha Alzinete Pimentel agradeceu a iniciativa da Fundação Edson Queiroz, acrescentando que a família ficou bastante lisonjeada com a homenagem. “Nossa família tem mais de 30 poetas, mas certamente minha mãe teve papel de destaque por ser autodidata e por ser a primeira mulher a usar o cordel para se expressar numa época marcada pelo machismo, mesmo que sob o pseudônimo masculino de Altino Alagoano”, afirmou.

Ao final dos discursos, houve apresentação musical de Paola Tôrres e da cantora paraibana Renata Arruda, que cantaram Pavão Misterioso e uma música de autoria da dupla. Em seguida, os presentes se dirigiram até a cordelteca e puderam conferir declamação de cordelistas e cantorias.


Maria das Neves Baptista Pimentel

Paraibana e cordelista, Maria das Neves Baptista Pimentel foi a primeira mulher a publicar um folheto de cordel. Seu amor pela literatura de cordel foi herdada de seu pai, que era poeta e editor de uma livraria e uma tipografia. “O violino do diabo ou o valor da honestidade” foi o título de sua primeira obra, publicada e vendida na livraria de seu pai, em 1938.
A cordelista teve que usar o pseudônimo Altino Alagoano, formado pelo nome de seu falecido marido e o estado onde ele havia nascido. A época patriarcal não era favorável às mulheres, que enfrentaram preconceitos de gênero. Somente nos anos 1970 foi possível a publicação de folhetos de cordelistas mulheres.

Serviço
Cordelteca Maria das Neves Baptista Pimentel
1º piso da Biblioteca Central da Unifor
Funcionamento: Segunda a sexta-feira de 8h30 às 17h e sábados de 8h às 13h
Aberta ao público
Mais informações: (85) 3477.3169



IMAGENS DA BIENAL

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Participamos da XIII BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DO CEARÁ, um dos maiores eventos literários do país. Mais uma vez, o destaque ficou por conta da PRAÇA DO CORDEL, o recanto mais animado da feira. Seguem algumas imagens do evento, para os leitores do blog ACORDA CORDEL que lá estiveram ou não puderam se fazer presentes:


Com Maílson Furtado Viana


Com Paola Torres

 

Com Luciano Dídimo, no lançamento de 100 SONETOS DE 100 POETAS


Lançamento de Klévisson e Arlene Holanda


Lançamento de OS MILAGRES DE ANTÔNIO CONSELHEIRO
com Manoel Severo Barbosa e Bruno Paulino


Com meu querido amigo Jáder Soares - o Zebrinha


Turma boa do Cordel


Meu pai, Evaldo Lima, declamando na Praça do Cordel ao lado de Bule-Bule


Stand da Editora IMEPH


Com meu caçulinha João Miguel


Com Fabiano Piúba, Camilo Santana, Klévisson Viana e 
meu sobrinho Khalil Antônio.





CENTENÁRIO DE JACKSON

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Correios lançam selo em homenagem ao centenário de Jackson do Pandeiro



Apresentação oficial do selo ocorreu no dia 25 de maio, no Memorial Jackson do Pandeiro, em Alagoa Grande

O centenário de nascimento do cantor e compositor Jackson do Pandeiro inspirou a criação de um selo comemorativo pelos Correios e Telégrafos. O ‘rei do ritmo’, como é conhecido o paraibano, nasceu em 31 de agosto de 1919 na cidade de Alagoa Grande, no Brejo paraibano, a 103 quilômetros de João Pessoa.
Jackson, que tinha como nome de batismo José Gomes Filho, passou boa parte da vida na cidade de Campina Grande. A motivação para a arte nasceu da admiração pelo trabalho da mãe, que cantava coco, com quem ele começou a tocar aos sete anos.
O artista trabalhou em várias rádios em Campina Grande, João Pessoa e Recife. No momento em que foi para Pernambuco, passou a receber a atenção da mídia e ficou conhecido como o homem orquestra pelo domínio da percussão. O estouro do talento do paraibano aconteceu quando ele gravou o sucesso ‘Sebastiana’ na década de 1950.

Jackson morreu em 10 de julho de 1982, em Brasília, quando tinha 62 anos de idade. Ele brilhou no forró e também no samba.

A apresentação oficial do selo aconteceu no dia 25 de maio, no Memorial Jackson do Pandeiro, em Alagoa Grande, com a presença de representantes dos Correios, dos criadores do selo, autoridades, além de convidados e da população em geral.


A VISITA DA MORTE

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O HOMEM QUE QUERIA ENGANAR A MORTE
Um cordel de ARIEVALDO VIANNA

Diz um antigo provérbio
Que a morte ninguém desvia
Até mesmo Salomão
Com sua sabedoria
Quis mudar o seu destino
Mas o desígnio divino
Tal coisa não consentia.

Tentar mudar o destino
Que nos traça o Soberano
Mostrou-se, através dos tempos,
O mais lamentável engano
Todo homem, quando nasce
A Morte grava-lhe a face
Com a marca do desengano.

Ceifar da face da terra
Todo e qualquer ser vivente
É esta a sua missão
Imutável, permanente,
Tentar enganar a Morte
É pelejar contra a sorte
Numa luta inconseqüente.

Manter gelo no sol quente
Sem ter refrigerador
É querer guardar dinheiro
Depois que perde o valor;
Renegar o Evangelho,
Viajar num carro velho
Depois que bate o motor.

Num pequeno vilarejo
Encravado no agreste
Residia um potentado
O mais rico do Nordeste
Fazendeiro respeitado
Dono de ouro e de gado
Sovina que só a peste.

Construiu bela mansão
Bem na rua principal
Mandou cercá-la de grades
Botou um guarda leal;
Entretanto, bem pertinho
Residia um pobrezinho
Numa miséria total.

Era um casebre de taipa
De palha e zinco coberto
Em um terreno baldio
Que antes era deserto
E o coitado ali vivia
Porque o dono consentia
Ou não sabia, decerto...

(...)



Lá na mansão do ricaço
Uma bela placa havia
Dizendo o nome da rua
“Desembargador Garcia”
O número vinha depois:
Seiscentos e vinte e dois
Na mesma placa se lia.

Era uma placa dourada
Toda em metal niquelado
Os números de outra cor
Feitos de bronze cromado;
Agora vamos saber
Que placa podia haver
No casebre do outro lado.

Num pequeno compensado
Ou talvez num papelão
O pobre havia botado
Um texto feito a carvão
“Seiscentos e vinte três”
Agora vejam vocês
O deus Destino em ação...

Certo dia o rico andava
Nas ruas da capital
Quando uma velha cigana
Revela seu mapa astral:
- Nos corredores da sorte
Eu vejo a face da morte
Numa sentença fatal.

Dizia a velha: — Estou vendo
(Pois já se aproxima o dia)
A morte andando na rua
“Desembargador Garcia”
E numa bela morada
Que tem a placa dourada
Vejo prantos de agonia.

O rico impressionado
Com os pés cravados no chão
Viu na bola de cristal
Reflexos de uma mansão
Idêntica à que residia
E a dita placa onde lia
O número com perfeição.

Viu uma mulher chegar
Montando um negro corcel
Consultando um velho livro
Cessou então o tropel
Do seu cavalo e parou
A dita placa mirou
E anotou num papel.

O rico saiu dali
Bastante impressionado
As palavras da cigana
O deixaram perturbado,
Dia e noite lamentava
Porque já se aproximava
A triste data marcada.

(...)


HOMENAGEM

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7 de setembro de 2019:
SESQUICENTENÁRIO DE JOÃO MELCHIADES FERREIRA DA SILVA, O CANTOR DA BORBOREMA



HÁ EXATOS 150 ANOS, no dia 7 de setembro de 1869, nascia mais um patriota no município de Bananeiras-PB: o menino João Melchíades Ferreira da Silva, que se auto-intitularia, no futuro, O Cantor da Borborema. No folheto "Os homens da cordilheira" (há um exemplar catalogado nos Fundos Villa Lobos, organizado por Mário de Andrade), João Melchíades diz que seu avô materno, o beato Antônio Simão, construiu uma igreja na serra, a pedido do padre Ibiapina. Ele teria fundado também uma escola para educar crianças, onde o próprio Melchíades aprendeu as primeiras letras. No terrível triênio de seca que foi de 1877 a 1879, já órfão de pai e criado sob a tutela desse avô, o menino João Melchíades foi raptado por um grupo de ciganos. Dizem que ele teria se encantado pela música e resolveu acompanhá-los. Sua mãe só foi resgatá-lo de volta cerca de dois anos depois.

De espírito inquieto e aventureiro, sua sina era correr o mundo. Aos 18 anos sentou praça no Exército, ainda na Monarquia. Em 1897 João Melchíades, integrante do 27º Batalhão de Infantaria das Forças Armadas, foi convocado para combater na Guerra de Canudos, onde quase perdeu a vida. Após a guerra, foi promovido a Sargento-Mor. Lembranças familiares, recolhidas num velho manuscrito por sua neta Lela Melchíades, a partir dos relatos de sua avó Senhorinha, informam que ele voltou traumatizado da Guerra e não gostava de tocar no assunto. Ficou muito chocado ao ver os cadáveres de mães carbonizados e abraçadas aos filhinhos, naquilo que Euclides da Cunha batizou de "a nossa Vendeia" ou "Troia sertaneja". Ele participou ativamente da tomada das trincheiras às margens do rio Cocorobó, uma das refregas mais sangrentas daquela luta fratricida.

Informa a pesquisadora Ruth Brito Lêmos Terra que a atividade poética de Melchíades é anterior a 1898. Ela baseia-se no poema "Melchíades escreve a Cícero de Brito Galvão, no Rio de Janeiro, sobre a açudagem do Seridó", onde o poeta faz referência a um açude de propriedade do cangaceiro Silvino Ayres, mentor de Antônio Silvino. O ano de 1898 foi o mesmo em que Silvino Ayres foi preso e, por conta disso, sucedido por seu êmulo no comando do cangaço.



Folhetos raros de Melchíades (in Fonds Raymond Cantel)


Em 1903, João Melchíades foi designado para combater na fronteira do Acre com a Bolívia, onde contraiu a febre béri-béri, que quase o vitimou. Nesse período, o poeta andava na companhia do cantador Joaquim Jaqueira e chegou a fazer apresentações em Manaus e em Belém do Pará, ao som da viola. No ano seguinte, segundo apurou o pesquisador baiano José Calasans, Melchíades resolveu publicar, em cordel, suas memórias sobre Canudos. É possível que tenha sido escrito ainda no século XIX, após o término da guerra. Sua visão é alinhada com a propaganda difamatória que se fazia contra o beato Antônio Conselheiro, por meio de libelos divulgados na imprensa, sob a orientação do Ministério da Guerra. Mas nem por isso ele deixa de reconhecer a bravura dos conselheiristas em estrofes antológicas como esta:

"Escapa, escapa, soldado
Quem tiver perna que corra
Quem quiser ficar que fique
Quem quiser morrer que morra
Há de nascer duas vezes
Quem sair desta gangorra".




Na opinião de Calasans, Melchíades era poeta de reconhecida capacidade, como podemos comprovar nesses versos que consignam um instante dramático da fuga dos soldados da terceira expedição. Na década de 1970, a pesquisadora Ruth Terra entrevistou uma filha do poeta, Santina, e teve acesso a uma carta de 1914, dirigida à sua esposa, Senhorinha (mãe de seus quatro filhos), falando sobre o folheto do Matador de Onças ("História do Capitão Cazuza Sátyro"). Nessa correspondência, o poeta fala também de outras obras e de seus filhos. O pesquisador Mário de Andrade considerou esse poema excelente ("Cazuza Sátyro, o Matador de Onças") e anotou isso, de próprio punho, num exemplar que se encontra na coleção dos Fundos Villa-Lobos. Diz Mário de Andrade: "Estupendo! Não porque esteja feito com espírito, mas pelo interesse extraordinário de quanto conta pelo realismo, às vezes duma firmeza homérica, com que conta. É admirável e vale mais que qualquer espírito".

Outro folheto muito elogiado, que tornou-se um dos maiores clássicos da chamada Literatura de Cordel é a "História do Valente Sertanejo Zé Garcia", assim avaliado por mestre Câmara Cascudo, em seu "Vaqueiros e Cantadores": "Retrata deliciosamente o sertão de outrora, com as pegas de barbatão, escolhas de cavalos para montar, rapto de moças, assaltos de cangaceiros, chefes onipotentes e vaqueiros afoitos, cantadores famosos e passagens românticas. Pertence bem ao ciclo social que terminou no século XX e que durara até o século XIX".


Versão infanto-juvenil, releitura de Arievaldo Vianna e Jô Oliveira


O PAVÃO MISTERIOSO

Entre 1925 e 1929, circula a primeira edição impressa do folheto "O Pavão Misterioso", assinada por João Melchíades Ferreira da Silva. Alguns pesquisadores asseguram que já havia uma versão do poema, escrita anteriormente pelo paraibano José Camelo de Melo Rezende (1885 - 1964) mas que ainda não fora publicada, mas cantada ao vivo. José Camelo era um autor imaginoso e brilhante, de grandes recursos poéticos. Ao que parece, a polêmica em torno da autoria só ganhou repercussão após a morte de Melchíades, em 1933. Depois que o folheto se consolidou como um estrondoso sucesso, tornou-se objeto de cobiça de vários editores, que incitavam a polêmica para facilitar a sua publicação sem pagar direitos autorais a nenhum dos dois poetas.

Segundo Átila de Almeida e José Alves Sobrinho, autores do Dicionário Bio-Bibliográfico de Repentistas e Poetas de Bancada, nesse período, José Camelo vinha sofrendo perseguições e havia se afastado da Paraíba e se refugiado no Rio Grande do Norte. Essa situação nunca foi devidamente esclarecida. Aroldo Camelo de Melo, sobrinho do poeta, assegura que ele estava preso, em João Pessoa, por causa de dinheiro falso que recebera de um editor no Recife (PE). O pesquisador José Paulo Ribeiro, de Guarabira-PB, encontrou cópia de um folheto escrito e publicado por José Camelo narrando esse episódio do dinheiro falso, dos seus percalços perante à Justiça e de como conseguiu se livrar da acusação. Vale ressaltar que o mais importante editor de cordel da época, atuando no Recife-PE, era ninguém menos que João Martins de Athayde, com quem José Camelo mantinha negócios. Entretanto, no folheto intitulado "A prisão e soltura de José Camelo" o poeta afirma que recebeu as cédulas falsas de um rapaz que lhe comprou quatrocentos folhetos para revenda. O mesmo rapaz apareceu à noite na cantoria que realizava em companhia de um colega. Parecendo cortês e generoso, colocou uma cédula graúda na bandeja e pegou outras menores, verdadeiras, como troco. O caso do dinheiro falso veio a ser descoberto por um policial, a quem um amigo do poeta comprara um carneiro gordo com uma das cédulas recebidas na dita cantoria. Daí em diante começa o seu calvário, a fim de provar a sua inocência. É um caso que precisa ser melhor apurado, já que chegou aos tribunais da Justiça paraibana.

Em seus livros, a pesquisadora Ruth Terra apresenta uma lista completa (ou quase) de todos os poetas populares que haviam publicado folhetos entre 1898 e 1930. Na Casa de Rui Barbosa e outras coleções pesquisadas pela autora, aparecem diversos folhetos de João Melchíades, mas nenhum de José Camelo, até o ano de 1930.

Segundo o testemunho do poeta Antônio Ferreira da Cruz, que escreveu um folheto intitulado "A morte de João Melchíades - O Cantor da Borborema", publicado pela tipografia da Popular Editora, de João Pessoa, Melchíades era uma espécie de "professor de cantoria" e tinha muitos discípulos. Um de seus parceiros era justamente o cantador José Camelo de Melo, com quem viajava fazendo apresentações. Aroldo Camelo informa que, durante uma dessas apresentações, a questão da autoria do "Pavão Misterioso" veio à baila, mas em clima amistoso. Camelo terminou uma estrofe dizendo: "O pavão tem duas asas / pode voar com nós dois". Melchíades respondeu com outra estrofe, no mesmo tom. Eis o que diz Antônio Ferreira da Cruz, na página 4 do folheto já mencionado, falando inicialmente de uma polêmica (poética) que Melchíades (católico fervoroso) mantinha com os evangélicos:

"Era um cantor educado
Na regra de divertir
Não bebia, não jogava,
Nem gostava de mentir;
Com qualquer pastor da crença
Gostava de discutir.

Em toda zona brejeira
Mostrava bem seu emblema
Era muito conhecido
Por Cantor da Borborema
Desde o Pico do Jabre
Ao Boqueirão da Jurema.

Ensinou muitos cantores,
Era um escritor de fé
Andou com José Camelo
Ensinou Antônio Thomé
Ensinou José Thomás
Lecionou Josué

Em toda escala de versos
Ele sabia cantar
Ensinou a cantador
Que não sabia falar
Ainda que alguém lhe desse
A paga de o difamar".

No romance "A pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta", de Ariano Suassuna, João Melchíades Ferreira aparece como padrinho de crisma e mestre de cantoria de Quaderna e de seu parceiro Lino Pedra Verde. Pelo visto, mestre Ariano tinha ciência dessa atividade de Melchíades. 
A saga do Cantor da Borborema virou livro, uma biografia escrita por Arievaldo Vianna, com prefácio de Bráulio Tavares e estudo crítico da obra, com colaboração do professor Stélio Torquato Lima. Importante ressaltar também a colaboração do pesquisador José Paulo Ribeiro, de Guarabira, que levantou fotos, documentos e folhetos raros em Campina Grande, João Pessoa e na região do Brejo Paraibano, área de maior atuação do poeta.
Depois de realizarmos uma cuidadosa pesquisa, entrevistando familiares, colhendo documentos em cartórios e livros paroquiais, elaboramos um texto enxuto porém fartamente documentado, a fim de contar a sua história sem acirrar, ainda mais, essa polêmica infrutífera que ainda hoje norteia os voos do Pavão Misterioso.

ARIEVALDO VIANNA


5ª Edição de Historia do Valente Sertanejo Zé Garcia,
de 1926, edição feita ainda em vida do autor, por F. C. Batista & Irmão.




SESQUICENTENÁRIO DO POETA

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João Melchíades na capa da primeira edição de 
Cantadores e Poetas Populares, de F. Chagas Baptista (1929)

João Melchíades, o Cantor da Borborema

Por Bráulio Tavares
(Do blog Mundo Fantasmo)

O dia de 7 de setembro é aniversário de muita gente importante, como meus amigos-do-coração Roberto Coura e Jackson Agra, e de instituições fundamentais para o equilíbrio do Universo, como o Treze Futebol Clube, o glorioso Galo da Borborema.

Mas resolvi dedicar este artigo a um aniversariante não menos ilustre, embora pouco conhecido, que hoje completa o seu sesquicentenário de nascimento.

Nasceu em 7 de setembro de 1869, no município de Bananeiras (PB) o poeta que veio a ser chamado “O Cantor da Borborema”, João Melchíades Ferreira da Silva.

Acabei de passar os olhos no primeiro esboço da biografia do poeta que está sendo escrita pelo pesquisador Arievaldo Viana, de Fortaleza, o mesmo que biografou o “pai do cordel” Leandro Gomes de Barros, além do precursor “Santaninha”, cuja vida ele reconstituiu juntamente com Stélio Torquato.



Aqui, as respectivas referências:

Leandro:

Santaninha:

No seu trabalho bem documentado sobre João Melchíades, sob o título provisório de A Saga Aventurosa do Cantor da Borborema, Arievaldo destaca, entre outros, três elementos importantes para fazer dele um personagem único:

1) Lutou ainda muito jovem na Guerra de Canudos.

2) Escreveu o Romance do Pavão Misterioso.

3) Foi personagem de Ariano Suassuna no ciclo da Pedra do Reino.

Melchíades teve uma vida aventurosa: raptado por ciganos antes dos dez anos de idade, só foi resgatado pela família três anos depois. Aos dezoito anos, ainda na época da monarquia, entrou para o Exército, e em 1897, como integrante do 27º Batalhão de Infantaria das Forças Armadas, foi combater na Guerra de Canudos, onde quase perdeu a vida. Depois da guerra, foi promovido a Sargento-Mor.

Existem relatos entre seus descendentes de que ele teria voltado da guerra muito traumatizado pelos episódios de violência e crueldade que testemunhou, entre eles a visão dos cadáveres carbonizados de mães agarradas aos filhos. Em todo caso, participou da tomada das trincheiras dos jagunços ao longo das margens do rio Cocorobó, uma das batalhas mais sangrentas daquela guerra.

Melchíades casou-se em 1897 com Senhorinha Melchíades, com quem teve quatro filhos. Nessa época começou também a sua produção poética. Segundo Arievaldo Viana, a pesquisadora Ruth Brito Lemos Terra localizou um poema datado desse período.

Alguns dos folhetos mais conhecidos do poeta, que morreu em 1933, são A Guerra de Canudos, O Príncipe Roldão no Leão de Ouro, Estória do Valente Sertanejo Zé Garcia, Combate de José Colatino contra o Carranca do Piauí, História de Juvenal e Leopoldina, A Vitória dos Aliados: a Derrota da Alemanha e a Influenza Espanhola e outros.

Com relação ao célebre Romance do Pavão Misterioso, existe há muitas décadas dentro da historiografia do cordel uma polêmica acesa sobre quem seria o verdadeiro autor do folheto: José Camelo de Melo Rezende ou João Melchíades Ferreira da Silva.

Arievaldo Vianna colhe depoimentos de descendentes dos poetas e de outras fontes, e tenta pôr um pouco de ordem nesta discussão que repousa em grande parte nas opiniões de pessoas que dispõem apenas de relatos orais. Há pouca documentação impressa disponível.



Segundo Arievaldo,

...entre 1925 e 1929 circula a primeira edição impressa de O Pavão Misterioso, a qual vinha assinada por João Melchíades Ferreira da Silva. Alguns pesquisadores asseguram que já havia uma versão do poema, escrita anteriormente pelo paraibano José Camelo de Melo Resende. Esta versão supostamente “original”, no entanto, teria vindo a lume apenas sob a forma de cantoria, numa apresentação de Camelo Resende, não tendo sido publicada. Teria ocorrido então que João Melchíades, parceiro de Camelo Resende em algumas cantorias, memorizara a essência da narrativa, reescrevendo-a a seu modo.

Há indícios de que Camelo teria de fato criado a versão inicial do romance, mas Melchíades imprimiu primeiro a sua, de modo que cada um, possivelmente, achava-se com algum direito para reivindicar a primazia.

José Camelo não protestou de início porque foi esta uma fase turbulenta de sua vida; preso por ter recebido e passado adiante (inadvertidamente) algum dinheiro falso, ele levou anos para reequilibrar sua vida. E nesse processo revoltou-se contra a publicação do folheto de Melchíades, afirmando, ao publicar sua própria versão:

Quem quiser ficar ciente
da história do Pavão
leia agora este romance
com calma e muita atenção
e verá que essa história
é minha, e de outro não!

Há muitos anos versei
esta história, e muitos dias,
fiz uso d’ela sozinho
em diversas cantorias
depois dei a cópia dela
ao cantor Romano Elias.

O cantor Romano Elias
mostrou-a a um camarada,
a João Melchíades Ferreira
e este fez-me a cilada
de publicá-la, porém,
está toda adulterada.

De fato existem diferenças textuais entre as versões dos dois autores, bem como semelhanças, que o livro de Arievaldo estuda de maneira mais minuciosa.

João Melchíades tem a honra de ser um dos poucos personagens “da vida real” que figuram no Romance da Pedra do Reino (1971) de Ariano Suassuna (ele e o poeta-charadista Euclides Vilar). No livro, ele é o mestre poético do protagonista Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna, e aparece em momentos-chave da narrativa.

O maior destaque dado a Melchíades, contudo, é numa das sequências do romance, As Infâncias de Quaderna, publicado em folhetins no Diário de Pernambuco entre 1976 e 1977, e ainda inédito em livro.

É nesta última obra que João Melchíades é visto por Quaderna pela primeira vez, no Folheto XLIII, ”A Casa do Matagal e a Chave Enferrujada”.

Quaderna tinha sido raptado por ciganos (tal como ocorreu com Melchíades na vida real) e é resgatado pelo cangaceiro Antonio Silvino, que o traz de volta para a casa de sua família. O garoto está passeando pela fazenda com seu primo Arésio Garcia-Barreto e os dois se encontram com o poeta, que reconhece Quaderna, de quem é primo distante. E passa a transmitir a este, pela primeira vez, a história da família de ambos!

João Melchíades começou a infeccionar meu sangue com aquela turva história de assassinatos sobre aras e pedras, tesouros, encantações, combates, coroas, elevação e trucidamento de Reis, violações de Princesas, incêndios, degola dos inocentes e outras coisas gloriosas e monárquicas.


Diante do menino maravilhado com tantas façanhas nobres, Melchíades continua:

– Os turcos inventaram que tinham matado O Rei Dom Sebastião, na África, mas é mentira. Ele veio para cá, numa Nau, entre nevoeiros, e depois um filho dele veio morar no Pilar, e o neto em Boqueirão de Cabaceiras, junto com o Teodósio, o Imperador Teodósio – Teodósio de Oliveira Ledo de nome. (...)

Veio a Guerra dos Quebra-Quilos em 1874: foi aí que, na estrada de Campina Grande aqui para Taperoá, degolaram seu Avô, meu tio, Pedro Alexandre. A mulher dele, Bruna, tia minha e Avó sua, pegou a cabeça cortada dele e veio para cá, pedir morada e proteção a seu outro Avô, o Barão do Cariri. (...) Bruna, que era filha do Padre Wanderley, mandou botar na salmoura a cabeça do marido dela, Pedro Alexandre, para ela não apodrecer.

É esse o mestre que injeta na imaginação fogosa de Quaderna uma boa parte dos delírios que futuramente irão desencadear os prodígios, os crimes bárbaros e as convulsões sociais do Romance da Pedra do Reino. Seu uso como personagem de ficção por Ariano mostra a importância deste poeta de verdade cujo sesquicentenário de nascimento celebramos hoje, 7 de setembro de 2019, quando o Brasil mostra que não mudou nada, nadinha.


O poeta, escritor, compositor e dramaturgo paraibano Bráulio Tavares



Fonte: http://mundofantasmo.blogspot.com/2019/09/4501-joao-melchiades-o-cantor-da.html

SONETO DE ANIVERSÁRIO

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Cinquenta e dois anos! Tempo bastante
Para se aprender o que a vida ensina
Conter os impulsos da língua ferina
Descartar da roda sujeito tratante.

Desviar caminho de todo farsante
Procurar o ouro somente na mina
Se vir o perigo, dobrar a esquina,
Recebendo amor, seja bom amante.

Ser leal com todos que nos abençoam
Porque nessa vida, nossos dias voam...
Agradeço, então, o amor de vocês.

Pois a gratidão é a maior virtude
Desejo a todos mais paz e saúde
Para celebrarmos meus cinquenta e três!

Caucaia, 19 de setembro de 2019

FEIRA DO CORDEL

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Desenho: JÔ OLIVEIRA | Arte: KLÉVISSON (Clique para ampliar)

Vem aí, a IV FEIRA DO CORDEL BRASILEIRO!

De 17 à 20 de outubro de 2019. Serão 4 dias de interação, valorização, difusão e troca de conhecimentos de uma das maiores manifestações culturais do Brasil, fazendo da CAIXA Cultural Fortaleza um verdadeiro celeiro de grandes artistas e um imenso acervo com as mais variadas obras do cordel brasileiro.
Faltam apenas 30 dias, marque na sua agenda, convide os amigos, traga a família e embarque com a gente nessa grande viagem ao mundo encantado do CORDEL.


#feiradocordelbrasileiro #cordel #patrimonioimaterial #tradicao #vemprafeira



SELAR O TEJO

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Sabem a origem da expressão "SELAR O TEJO"?
Confiram:

LAGARTUS ASSUSTADUS LIGEIRUS

Tejuaçu, tejo ou tiú (é a cara dum camaleão)

Quando adulto chega a medir um metro de comprimento. Alimenta-se de batatas silvestres, folhas de pau, casca de planta, ovos e raízes do pau pereiro. Vive uma média de três anos. Ovíparo, o bicho! Seu mais terrível inimigo é a cobra caninana, também chamada de NINA ou NINANA. Por determinação da natureza, toda vez que se cruzam o pau canta. Enfrentam-se com fúria mortal, porém raramente há vítima fatal nesses confrontos. Depois de levar uma mão de peia medonha, a cobra NINANA sai se retrocendo, toda estrupiada e o tejuaçu corre para restaurar as forças, mastigando plantas medicinais, batata de purga ou cabeça de nego, para anular o efeito do veneno. O tejuaçu é um bicho muito tímido e assustadiço, por isso vive se escondendo. Quando vê alguém, pranta os pés na carreira. A corrida é rápida e efêmera. Mais adiante ele para e fica olhando de lado, como se não lembrasse porque correu... Coisa que dura pouco, do tipo fogo de palha, pode tranquilamente ser classificada como carreira de tejuaçu.  (Tarcísio Garcia, no livro NÓ NA LINGUA, 1997)


Dada a velocidade da carreira do tejuaçu, quando alguém deseja pressa no sertão costuma dizer para o portador: - SELE O TEJO E RISQUE!

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