Recentemente, adquiri pela Estante Virtual o livro MUSA GAIATA, organizado por Renato Sóldon e Bastos Tigre, reunindo a produção gaiata de diversos poetas, dentre os quais QUINTINO CUNHA. Vejamos alguns poemas enfeixados nesta obra...
Quintino Cunha
Poesia humorística – poesia satírica
QUINTINO CUNHA ― civilmente José Quintino da Cunha ― conhecidíssimo em todo o Brasil, sobretudo nos Estados nordestinos, advogado e poeta, possuía a virtude de improvisar discursos, versos e trocadilhos, com tal facilidade, que estarrecia a todos.

Cearense de nascimento, cumpriu o destino do seu povo: viajou de Seca e Meca. Durante cinco anos consecutivos esteve embrenhado nas selvas amazônicas e, de lá daqueles confins misteriosos, transportou-se para a Europa, onde publicou em Paris, o seu formoso livro “Pelo Solimões”.
No velho mundo privou da intimidade de Guerra Junqueiro Emile Faguet, Edmond Rostand, Richepin Filho e outros grandes vultos da literatura universal.
Boêmio, amigo do povo, QUINTINO CUNHA militou na imprensa e tribuna, sempre ao lado dos desprotegidos contra as potestades ocasionais.
São de sua lavra, escritos no fim da vida, êstes mordacíssimos apólogos:
O CAVALO
― O mérito, em declínio, é sempre oriundo
de um suposto valor:
o Cavalo foi tudo, neste mundo,
desde escravo aa Senhor!
Na Arábia, foi Herói; na Grécia, Trono;
Em Roma, Senador!
Hoje, no mais humilimo abandono,
mal chega a ser Doutor!
O GATO
― O Gato, se tem fome, é assim: procura,
todo brandura,
o dono seu, pedindo-lhe comida.
Mas de uma fórma, tão enternecida,
que nos parece Gato
a sombra fiel de um candidato
pedindo votos para ser eleito...
E, quando o apanha,
que ao próprio dono ferozmente estranha,
aí é que o retrato está perfeito!
O BURRO
― Chega à feira um sertanejo
montado num Burro arisco.
E, sem pensar nalgum risco,
daquele canto não sai.
Perto, apita um trem, e o Burro
salta com tal ligeireza,
que o pobre homem, de surpresa,
desiquilibra-se e cai!
Nesse momento, a assistência,
um tanto ou quanto educada,
prorrompeu em forte assuada,
quando o matuto caiu...
E, apenas como protesto,
àquele cena, tão séria,
vendo tamanha miséria,
somente o Burro não riu...
QUINTINO tinha pavor aos ignorantes, notadamente àqueles que atingiam posição de destaque na política, na sociedade, no comércio, nas artes ou ...nas letras.
Nas oitavas abaixo reproduzidas, o poeta adverte-nos o perigo que o ignorante oferece à humanidade:
O MENTIROSO E O IGNORANTE
O ment'roso é conciénte
da mentira que êle explora.
Mas o ignorante ignora,
que ignora o que fizer.
De onde suponho, com acerto,
ser natural que prefiras
um soltador de mentiras
a um ignorante qualquer.
a um ignorante qualquer.
A IGNORÂNClA
_ Na história da teimosia,
entra a rudeza e a arrogância,
é tão forte a ignorância,
tão cruenta, tão mendaz,
que a própria Sabedoria;
de tudo, sabendo tanto,
não póde saber de quanto
o ignorante é capaz.
É imenso o trovário do conhecido epigramista cearense.
Eis algumas redondilhas, à moda popular, de sua autoria:
— O homem que se sujeita
a caprichos de mulher,
é zero escrito à direita
de uma unidade qualquer.
— Mesmo, sem subserv'ência,
quem se ampara em proteção,
aou vive dependência,
ou morre na humilhação
Reforma, de quando em quando,
segundo o meu parecer,
é uma vela se apagando
e outra pra se acender...
— O cearense, em criança,
nasce na FÉ, com verdade;
cresce e vive na ESPERANÇA
e morre na CARIDADE.
Quando foi criado o sêlo de educação e saúde, QUINTINO farpeou, com esta quadra, um advogado, seu conterrâneo, homern doente do côrpo e da inteligência:
— Um bacharel doente e rude,
quasi morreu de desgôsto,
por não pagar o imposto
de Educação e Saúde. . .
Alguns meses antes de fechar os olhos à vida, no seu leito de dôr, o poeta brincava com a morte. Marido amantíssimo, QUINTINO ditou estes versos, de humor à Swift, ao seu sobrinho Renato Sóldon, pedindo-lhe mostrasse-os, depois, à sua dedicada esposa, a titulo de brincadeira:
SPES UNICA
— Morto, dentro da fria sepultura,
sem te poder falar?
E tú, que me amas, bôa criatura,
indo me visitar...
Banhada de suspiros, de soluços,
desmaiada, talvez . ..
Muita vez reclinada, até de bruços,
na altura dos meus pés...
Pedindo a Deus o meu viver eterno
junto das glórias suas;
que me livre das penas do inferno,
e a chorar continúas...
Lembrando nossa vida a todo instante
repassada de dôr,
a lembrar-te que fui o teu amante,
— o teu único amor,
M al, pensando na horrífera caveira,
em que me transformei,
exausto de fadiga, de canseira,
imaginar não sei...
Para evitar essa hora amargurada,
êsse quadro de dôr, tão verdadeiro,
Deus há-de ser servido, minha amada,
que tú morras primeiro ! ...
Afinal, aos 68 anos de idade, no dia primeiro de Junho de 1943, em Fortaleza, QUINTINO CUNHA fechava os olhos à vida. Sem nada possuir, senão um grande talento e enorme cultura, êle mesmo ditou, momentos antes de morrer, o epitáfio para o seu túmulo:
— O Padre Eterno, segundo
refere a História Sagrada,
tirou o Mundo do nada...
E eu Nada tirei do mundo.
Fonte: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/amazonas/quintino_cunha.html